Pedido de tombamento tem sido intensificado diante de intervenções feitas na região
O processo de tombamento do Hospital Pedro Fontes, em Padre Mathias, Cariacica, deu um novo passo nessa quinta-feira (6). Em reunião do Conselho Estadual de Cultura, foi aprovada a minuta de tombamento. A sequência do processo, iniciado em 2008, será feita pela Câmara de Patrimônio Arquitetônico, Bens Móveis e Acervos (CPABMA).
O servidor da Gerência de Memória e Patrimônio, Rodrigo Zotelli, explicou durante a reunião que agora o processo se encaminha para a definição do objeto, como se será uma edificação isolada ou um conjunto de edificações, formando, portanto, um sítio histórico. Depois, será preciso definir a área de entorno para criar parâmetros de intervenção na região.

A etapa seguinte, explicou Rodrigo, volta para votação no Conselho. Com a aprovação, segue para homologação do governador Renato Casagrande (PSB), publicação da resolução e inserção no livro de tombo. Ele recordou a atitude do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-ES), que, em agosto, expediu a Nota Técnica nº 45/2025 à Prefeitura de Cariacica, embargando as atividades no cemitério Padre Mathias, nas proximidades do hospital, “até que sejam tomadas as medidas necessárias para resguardar os bens culturais ali existentes”.
Rodrigo informou que, há 20 dias, a Secretaria de Estado da Cultura (Secult) participou de uma vista técnica ao local com o Iphan e que a Câmara de Patrimônio Arquitetônico vai fazer uma nova visita. O conselheiro Genildo Coelho alertou para o fato de que o Pedro Fontes é um dos mais de 60 processos de tombamento paralisados no Espírito Santo, sendo que há processos sem andamento há mais de 30 anos, inclusive, de imóveis que não existem mais.
O conselheiro Tião Xará recordou que a área do Hospital, que era do Governo do Estado, foi doada ao município de Cariacica, o que aconteceu em 2023, por meio da aprovação do Projeto de Lei nº 1021/2023, de autoria do Executivo. Destacou, ainda, que a cessão não foi debatida no Conselho de Cultura e sugeriu que o Secult comunique a doação ao Cartório de Registro de Imóveis.
“Quando um imóvel pertencente ao Estado é pedido tombamento histórico, pode ser transferido para a esfera federal ou municipal, com autorização do Conselho. Se o prefeito tiver uma situação de construir qualquer coisa que está fora do objeto de tombamento, não pode. Tem que cumprir o objetivo de proteção”, disse.
A aprovação da minuta de tombamento é considerada uma vitória para os moradores, ex-internos e seus familiares diante do projeto da gestão do prefeito Euclério Sampaio (MDB) de implantar no local um polo industrial. Eles temem o apagamento da memória local, aumento da violência e se queixam do fato de que não há diálogo por parte da Prefeitura de Cariacica sobre a construção do polo.
Os moradores se queixam de que o hospital está abandonado, sem garantia de segurança por parte da prefeitura. Por isso, está sendo depredado, com portas e janelas arrancadas, assim como nos pavilhões que abrigavam os hansenianos, facilitando que ladrões possam se abrigar no imóvel.
O pedido de tombamento foi feito em 2008 por um grupo de professores e alunos da Faculdade Brasileira – Univix. Pouco mais de dois anos depois, a Câmara de Patrimônio Arquitetônico emitiu parecer favorável ao tombamento, “considerando que o sítio histórico em questão apresenta especial importância no resgate e preservação da memória e história das políticas públicas de saúde e da história do Espírito Santo”. O parecer, então, foi encaminhado para análise do Plenário do Conselho Estadual de Cultura.
Essas informações constam na denúncia feita ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES) sobre as intervenções feitas pela Prefeitura de Cariacica na região de Padre Mathias. Os denunciantes foram a vereadora Açucena (PT); professores, arqueólogos e pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes); membros do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Espírito Santo (Iphan-ES) e ex-internos do antigo Hospital Pedro Fontes.
Consta, ainda, na denúncia, que o último andamento do processo físico que foi apresentado aos denunciantes pela Secult é de 2018, quando o então gerente de Memória e Patrimônio, Rodrigo Zotelli Queiroz, encaminhou o processo ao Conselho Estadual de Cultura, por solicitação do mesmo. Na denúncia são informadas denúncias tomadas em outras instâncias. No âmbito municipal, é mencionado o Decreto Municipal nº 274, de 25 de novembro de 2021, que instituiu o “tombamento do Sítio Arqueológico Pedro Fontes, compreendendo a área do Cemitério São Francisco, capela e entorno”.
O Hospital Pedro Fontes foi criado em 1937 para isolar pacientes com hanseníase, doença também conhecida como lepra, normalmente retirados de maneira violenta do convívio familiar e social. Os filhos dos internos, por sua vez, eram encaminhados para o Educandário Alzira Bley, também em Cariacica, criado em 1940. O leprosário, chamado de Colônia de Itanhenga, nasceu no contexto da política de isolamento e internação compulsórios de pacientes com hanseníase no primeiro governo do presidente Getúlio Vargas.
Embargo do Iphan
Várias iniciativas têm sido tomadas para preservar não somente o hospital, mas o Educandário, a capela e o cemitério. A denúncia ao MPES foi feita após o Iphan-ES expedir, em agosto, a Nota Técnica nº 45/2025 à Prefeitura de Cariacica, embargando as atividades no cemitério Padre Mathias.
O documento, assinado pelo arqueólogo Yuri Batalha de Magalhães, prevê, ainda, a discussão de medidas compensatórias, “haja vista os impactos realizados sobre o sítio arqueológico Cemitério Pedro Fontes, bem como os prováveis impactos sobre o patrimônio arqueológico com a realização das intervenções de expansão do cemitério sem a adoção de medidas preventivas e mitigatórias necessárias, conforme preconiza a Instrução Normativa 01/2015”.

Após visitas feitas ao cemitério no decorrer de 2025, o arqueólogo constatou a depredação da área. Em abril, foi constatada a expansão do cemitério, com covas já utilizadas e outras abertas aguardando novos sepultamentos. O texto informa que, “para abertura de covas, inicialmente a prefeitura faz a terraplanagem do terreno, para a retirada das camadas superficiais do solo, deixando exposto um solo argiloso, de cor alaranjada. Posteriormente, com uma retroescavadeira, são abertas as covas, fechadas posteriormente por funcionários que atuam no cemitério municipal”.
Além disso, “em nossa vistoria, pudemos constatar a existência de muito vestígio material na área, sobretudo histórico, composto de faiança, vidros e cerâmicas antigas, além de conchas de bivalves, possivelmente descartados após o seu consumo pelas populações que habitaram a região ao longo do tempo”.
O arqueólogo constatou também que, “ao que parece, não há um projeto para a execução das novas covas, sendo que além da possibilidade de impacto sobre o patrimônio arqueológico, podemos supor também a possibilidade de danos ambientais. Cumpre indicar que ao sul das novas covas está localizado um trecho de mangue e da baía de Vitória, áreas que devem ter especial atenção por parte do poder público visando a sua preservação”.
Quanto à capela, que se situa dentro da área do sítio arqueológico, constatou-se que “está em péssimo estado de conservação, o que impede seu uso para a realização de missas e demais ritos fúnebres. Em consonância com o próprio tombamento municipal, consideramos que a Prefeitura de Cariacica deveria envidar esforços para restaurar este bem, já que os velórios na atualidade ocorrem em espaço improvisado, com o auxílio de uma tenda montada na entrada do cemitério”.
Na segunda vistoria, no dia 13 de agosto, o Iphan-ES identificou abertura de nova área de expansão no cemitério, de mais de 3 mil metros quadrados. “No local das novas covas, abertas desde a nossa última visita ao local, constatamos sobre o solo a presença de mais vestígios materiais como material conchífero, cerâmico (histórico) e vítreo. Não há a possibilidade de realização de investigação arqueológica nesta e nas outras áreas já mexidas devido ao sepultamento de pessoas no local”, descreve a nota técnica.
Tombamento do Educandário
Em julho deste ano, a advogada Livia Poubel, voluntária do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), solicitou instauração de requerimento de tombamento do Educandário Alzira Bley ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ela requereu o tombamento do imóvel, do acervo documental e dos bens móveis. Consta, ainda, no pedido, que seja determinada, “caso entenda pertinente, a realização de medidas cautelares de curadoria e inventário técnico do acervo documental ali existente”.

“Hoje, o Educandário ainda guarda acervos originais de valor histórico e probatório imensurável, com documentos que revelam dados sensíveis desses egressos, histórias de separação, adoções e rompimento de laços familiares. Recebi relatos diretos de remanescentes dessa política — que, em conversas profundas e dolorosas, narraram a impossibilidade de acessar registros que poderiam ajudar a reconstruir sua própria identidade, suas origens e, em alguns casos, fundamentar seus direitos à reparação”, disse a advogada no requerimento.
Livia destacou que o cenário atual é de completo abandono. “O local não possui funcionários especializados no cuidado arquivístico, não há estrutura mínima para garantir a guarda segura desse patrimônio, e há notícias recorrentes de invasões e depredações, que colocam tudo em risco iminente de perda irreversível”, denunciou.
A segregação compulsória dos filhos dos pais com hanseníase, apontou a advogada, “é reconhecida por vasta jurisprudência como grave violação de direitos humanos e impõe ao Estado brasileiro o dever de memória, verdade e reparação”. Em meio a essa jurisprudência, Livia destacou a Lei nº 11.520/2007, que concede pensão especial aos submetidos ao isolamento compulsório, a Lei nº 14.689/2023, que estende a reparação compensatória aos filhos separados, e o Decreto nº 7.037/2009, que consagra o direito à memória e à verdade como eixo essencial da Justiça de Transição.

