Domingo, 28 Abril 2024

Em entrevista, José Castello fala da obra de Rubem Braga

Em entrevista, José Castello fala da obra de Rubem Braga

 

“O cronista vai na contramão do jornalismo, ele está interessado naquilo que ninguém está interessado. Nas crônicas de Rubem Braga são as pequenas coisas que viram temas e não os grandes acontecimentos”. Assim o escritor e jornalista José Castello define a profissão dos narradores do cotidiano. Para Castello, a simplicidade e a coloquialidade são o grande legado do escritor capixaba.
 
Também colunista de O Globo, Castello esteve em Vitória nessa terça-feira (12) para comentar a obra de Rubem Braga no Café Literário. Dentre as suas publicações, Castello também é autor do livro que conta um pouco da história de Braga, Na Cobertura de Rubem Braga (1996). “Não é uma biografia clássica, mas uma proposta de escrever uma crônica sobre o cronista”, explica.
 
Século Diário - O senhor também tem uma longa e destacada carreira como jornalista. Nesse sentido, do lidar com as palavras ao modo jornalístico, Rubem foi uma referência, na escrita, na leitura?
 
José Castello - Desde garoto eu comecei a ler os grandes cronistas do século XX, através da imprensa, não só o Braga, mas também o Nelson Rodrigues, Clarice Lispector, Drummond, José Carlos Oliveira. A minha entrada na literatura foi por meio das crônicas publicadas em jornal, só depois eu comecei a me interessar por livros.
 
O que mais me fascinava desde pequeno nas crônicas, e ainda hoje é o que mais me fascina, é o tom de conversa, de diálogo. Eu me sentia íntimo desses cronistas, parecia que eles estavam falando no meu ouvido, me fazendo confidencias e me fazendo companhia. 
 
Eu era um menino muito solitário e ler esses cronistas me consolava muito, era muito emocionante todos os dias pegar o jornal e ver o que aqueles escritores estavam dizendo, parecia que eles estavam escrevendo especificamente para mim. 
 
Tudo isso me levou ao interesse pela literatura e também pelo jornalismo, já que a crônica é um gênero hibrido, entre o jornalismo e a literatura. 
 
Representou alguma dificuldade fazer uma biografia de um personagem que em vida não foi lá muito expansivo?
 
Quando eu comecei a escrever o livro em 1994, ela já tinha morrido em 1990. Então eu nunca o conheci e esse aspecto do temperamento dele não me afetou. A ideia para escrever o livro surgiu quando a editora da José Olympio estava conversando comigo sobre a cobertura do Rubem Braga, que ela havia visitado e tinha ficado maravilhada com natureza do local. 
 
Eu ainda não conhecia a cobertura e nessa conversa ela tinha me contado que era um lugar lindo e mágico e que daria um livro, ela já tinha até pensado o nome do livro: "Na Cobertura de Rubem Braga". Só lhe faltava alguém que o escrevesse, e eu logo me ofereci.
 
Imediatamente eu me lembrei da minha ligação desde criança com a crônica e achei a ideia maravilhosa. Na verdade esse livro não é uma biografia clássica, mas se formos chama-lo assim, digo que não é só a biografia de um homem, mas também a biografia de um apartamento. 
 
O centro do livro é esse apartamento, que é uma cobertura no bairro de Ipanema, em pleno centro urbano da zona sul do Rio de Janeiro. No entanto, o Braga o transformou em uma verdadeira fazenda voadora, como dizia o José Carlos Oliveira. 
 
Ele plantava árvores, tinha uma horta, tinha muitos pássaros e muitos bichos. É um lugar mágico que representa o Rubem Braga, porque ele tinha essa paixão pelas coisas simples, pela vida no campo, e ele conseguiu recriar tudo isso em pleno coração urbano do Rio.
 
O senhor acha que o Rubem politicamente “combativo” (aspas), especialmente aquele dos anos 40 que foi preso, perseguido por Vargas, foi ofuscado pelo Rubem mais conhecido, que fala das coisas simples da vida? 
 
De certa forma sim, porque o que ficou do Rubem Braga foi esse amor pelas coisas pequenas, pelas coisas do cotidiano, pela vida comum das pessoas comuns. As crônicas do Braga não são sobre grandes temas nacionais, da mesma forma que a crônica em geral também não o é. 
 
Muita gente confunde hoje o colunista com o cronista, mas os colunistas eles fazem comentários sobre acontecimentos políticos e grandes acontecimentos nacionais, já o cronista ele vai na contramão disso, ele está interessado naquilo que ninguém está interessado. E nas crônicas do Braga são essas pequenas coisas que virarão temas e não os acontecimentos políticos. 
 
Que inovações ou transformações Rubem Braga introduziu na crônica, seja pelo prisma estilístico, seja pelos temas abordados?
 
O Rubem Braga foi uma espécie de grande mestre da crônica brasileira. No século XX a crônica se consolidou como um gênero brasileiro, um gênero entre a realidade e a ficção, um gênero da primeira pessoa, um gênero lírico, e quem consolidou esse formato foi o Braga. Outros excelentes cronistas como Paulo Mendes Campos, Lara Resende, os cronistas da nova geração como Eliane Brum, Luiz Henrique Pellanza, Rogério Pereira, Humberto Werneck, todos eles tem uma divida imensa para com o Braga. 
 
Ele conseguiu se destacar pela escolha de temas, pelo foco na simplicidade. Mesmo estando dentro de um jornal ele escrevia sobre o comum, sobre aquilo que jamais daria notícia. E também pelo estilo, sempre intuitivo e usando a primeira pessoa, no qual sempre a sensibilidade vale mais que a informação e que a impressão vale muito mais do que o fato. 
Ou seja, tudo aquilo que o jornalismo despreza, a subjetividade, a sensibilidade, a crônica ela realça e o Braga levou isso até as últimas consequências.
 
Rubem expressava constantemente em crônicas uma saudade da terra natal, ou um desejo de vida simples, numa casinha no meio do mato... Mas ficou quase a vida inteira no Rio, viajou o mundo, etc... Na sua interpretação, por que ele nunca concretizou aquela vontade?
 
Eu não saberia dizer, mas eu tenho a impressão que foi por motivos profissionais. Ele logo se tornou um jornalista e um cronista de prestígio e o grande mercado está nas grandes cidades, então ele precisava ficar no Rio. Além disso, ele conseguiu juntar a natureza e o urbano na sua cobertura, na qual ele construiu uma espécie de chácara e conseguiu o impossível.
 
Gostaria que o senhor citasse uma ou duas ou três crônicas não tão incensadas, mas que mostram a força de Rubem Braga.
 
Vou citar duas que são bastante conhecidas, mas são essenciais. Aula de Inglês é um texto muito interessante porque é uma reflexão sobre a língua, de como a linguagem é arbitrária e de como nós nos atrapalhamos com as pequenas coisas da linguagem. 
 
Percebemos isso muito claramente quando estudamos uma língua estrangeira, por exemplo, por que cadeira quer dizer cadeira?  Por que mesa se chama mesa e não tapete? É tudo arbitrário! Essa crônica prova como a língua é surpreendente e como a língua é uma invenção. 
 
Outra crônica dele também famosíssima, mas eu acho fundamental é Ai de Ti, Copacabana. É uma crônica que tem um aspecto interessante, que em geral aparece em outras crônicas do Rubem, que é a melancolia. O cronista é sempre melancólico, as pessoas tendem a achar que o cronista é saudosista, mas na verdade ele é melancólico. Ele vê o mundo com uma certa sensibilidade que o leva a perceber suas falhas e fraquezas. 
 
Ai de Ti, Copacabana é um lamento que ao mesmo tempo é uma declaração de amor a Copacabana, é um lamento pelo crescimento desordenado da cidade, que também é o de Ipanema, do Leblon, de Vitória, de São Paulo. O cronista ele atravessa esse lado mais lírico e mais natural da vida. 
 
Sobre a questão da escrita, que ensinamentos o senhor acha que Rubem transmitiu a quem quer se meter a escrever, sejam estes jornalistas ou escritores ou outros?
 
A crônica se baseia muito na relação do escritor com o leitor, o cronista ele quer chegar no leitor, talvez dos gêneros literários seja o que mais radicalmente quer tocar o leitor. Muitos escritores, romancistas, poetas dizem que escrevem para si mesmo, mas o cronista sem dúvida escreve para o leitor.
 
Rubem Braga sempre prezou pela simplicidade da linguagem, o cronista vai de oposto à linguagem rebuscada, a questão dele é a linguagem coloquial, é ser compreendido pelo leitor, é transmitir emoções. No fundo, ele quer ser amado e o Braga queria muito isso, acho que todo escritor espera um pouco ser amado. O cronista ele escreve todo dia para matar um pouco da sua solidão e para ter uma resposta do leitor. A crônica é talvez um dos gêneros que mais valoriza o leitor.
 
Rubem Braga escrevia com simplicidade, com lirismo e é por isso que o leitor é arrastado para dentro do texto. Ao contrário do repórter que está diante do leitor, o cronista está do lado, sussurrando no ouvido dele. A crônica tem esse caráter de confidência, de segredo.

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