Local de uso pedagógico homenageava Mestre Terto e continha acervo sobre cultural
Duas medidas tomadas em menos de uma semana causam indignação a agentes culturais de Conceição da Barra, município que tem o título de Capital da Diversidade Folclórica no Espírito Santo, no norte do Estado. A Associação de Folclore de Conceição da Barra (AFCB) se manifestou publicamente a respeito da destruição de um espaço de memória em uma escola e da revogação do decreto que permitia o uso de um local público como sua sede. “Essas ações negligenciam o valor histórico, cultural e afetivo de práticas culturais que representam décadas de resistência e celebração da cultura afrobrasileira, indígena e popular”, criticou.

Durante o recesso escolar, a Casa de Seu Tertolino, espaço cultural e pedagógico criado em 2021 dentro da escola municipal Dr. Mário Vello Silvares, foi desmontado e teve as pinturas apagadas para se tornar uma sala de coordenação, sem aviso prévio aos idealizadores da iniciativa, construída em diálogo com a família do homenageado.
Tertolino Balbino, o Mestre Terto, é um ícone da cultura popular capixaba e barrense, tendo uma trajetória de mais de seis décadas de vida à frente do Ticumbi de São Benedito. O espaço funcionava numa sala e reunia um acervo com foco na valorização da cultura popular e negra.
Neste acervo estavam fotografias históricas e quadros produzidos por estudantes; bonecos representando crianças negras; caixas de jogos elaborados pelos estudantes sobre o Ticumbi, o Jongo, os orixás africanos e outras manifestações culturais; instrumentos como chocalhos, cabaças, imagens de São Benedito e trechos de cantos do Ticumbi pintados nas paredes; quadros de divindades como Iemanjá e Oxóssi; roupas típicas do Alardo e do Jongo; estandartes, chapéus e um fogão a lenha como símbolo da ancestralidade viva; livros grandes, de contação de histórias; e quadros. Parte desse material foi encontrado descartada na escola.

Além de servir de espaço pedagógico para estudantes da Mário Vello, o local também recebia visitas de alunos e professores de outras entidades de ensino. Além disso, itens do acervo do local eram eventualmente emprestados a outras instituições.
Segundo nota da associação, “este espaço foi destruído sem qualquer consulta aos idealizadores do projeto. Pinturas foram encobertas com tinta, objetos foram descartados no lixo, evidenciando um apagamento brutal”. A ação, questiona a entidade, fere leis nacionais que combatem o racismo e tornam obrigatório o ensino de cultura indígena e afrobrasileira nas escolas.

Junto com outras entidades, artistas e professores, a AFCB solicitou quatro pontos: uma resposta dos órgãos competentes; retratação dos gestores da EMEF Dr. Mário Vello Silvares; reparação e reconstrução da Casa de Seu Terto; e o compromisso real com políticas de memória, reparação e justiça racial. A nota tem como base um dossiê elaborado pelo professor e idealizador da Casa de Seu Tertolino, Walace Linhares.
Associação despejada?
Outra surpresa ocorreu no dia 15 de julho, quando o prefeito Erivan Tavares (PSB) emitiu um decreto que revoga o uso do espaço conhecido como Varandão, na Praça Benônio Falcão, no Centro de Conceição da Barra, pela Associação de Folclore. O espaço, que possui murais com mestres da cultura popular retratados por muralistas e grafiteiros capixabas, abriga a sede da associação desde 2016.

Segundo Lucas Conchavo, presidente da AFCB, o espaço que vinha sendo pouco usado em gestões anteriores, foi revitalizado pela nova diretoria da entidade, que tomou há 10 meses, servindo de local para realização de importantes reuniões da associação, com a diretoria, grupos de cultura popular e autoridades. Ele alega que não houve nenhuma comunicação prévia. “Ficamos sabendo ao ler o decreto”, reclama.
Lucas diz que a associação chegou a se reunir com o prefeito no ano passado, antes dele assumir o mandato, tendo comentado sobre o espaço. Recentemente, a entidade reivindicou a vereadores a construção de um banheiro no local para melhor atender aos usuários do espaço, e ainda aguardava um retorno.
Integrantes da entidade acreditam que a medida pode ser uma retaliação da prefeitura, pelo fato da AFCB ter se posicionado contra a intenção do prefeito de fundir a secretaria de Cultura com a de Turismo, além de ter ingressado em abril com uma representação no Ministério Público questionando a legalidade do processo realizado pela prefeitura para eleição do Conselho Municipal de Política Cultural.

Século Diário enviou perguntas sobre as questões para as secretarias de Educação e de Cultura de Conceição da Barra, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.