Quinta, 02 Mai 2024

Fim de festa

Fim de festa

Texto: Henrique Alves

Fotos: Gustavo Louzada/Agência Porã



Na reunião extraordinária do Conselho Estadual de Cultura (CEC) convocada para elucidar a parceria entre a Secretaria de Estado da Cultura (Secult) e o Instituto Sincades, o presidente do Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor do Espírito Santo (Sincades), Idalberto Moro, não se conteve: “É um modelo de mecenato que não há igual”. A Justiça achou o mesmo.
 


Na última terça-feira (19), entre notícias tristes sobre as sequelas das chuvas, explodiu aquela pela qual há muito ansiava a classe cultural capixaba: “Justiça suspende repasses de verbas para Instituto Sincades”. O juiz Arion Mergár acatara na segunda-feira (18) o pedido de liminar para suspender os repasses de dinheiro público ao instituto. 
 
Legal? Claro, legal, supimpa. A coisa, no entanto, não acaba por aí. Como ficam agora os projetos cuja existência depende desse mecenato? Ninguém pensou nisso. Eis a temeridade de se implantar uma lógica de incentivo em tais moldes.
 
De maneira mais consistente, as dúvidas sobre o caso Secult/Instituto Sincades germinaram ainda em 2011, num caso que o tempo fez emblemático: os R$ 800 mil que o governo estadual, via Sincades, destinou ao filme Open Road para que algumas míseras cenas fossem rodadas em Vitória. Ali as orelhas ficaram de pé e não baixaram mais.
 
Neste jornal, a polêmica emergiu em maio de 2012, quando publicamos a reportagem Cultura e Mercado. Brotavam dúvidas quanto às parcerias público-privadas no âmbito da política cultural capixaba, sobretudo quanto aos caminhos imprecisos por que eram conduzidas. 
 
Ponderamos e perguntamos: “Fontes ouvidas pela reportagem expressaram-se de diferentes formas. Foram do receio ao elogioso interesse. A ideia não é nova: este vínculo cultural entre público e privado já vigora em outros cantos do país. Mas todas as opiniões convergiram para um ponto intrigante: por acaso a adoção redundará em intervenção curatorial?”.
 
Perguntar não ofende. Embora estejamos no Brasil e, ainda pior, no Espírito Santo, nada ainda impede que os mais castos princípios do altruísmo cultural inspirem nossos mecenas. Mas o próprio caso Open Road, se não propriamente dera a resposta em relação a intervenções curatoriais e prioridades culturais, pelo menos a apontara.
 


Dezembro de 2012. Meses depois, publicamos a reportagem Contornos nebulosos envolvem contrato entre Sincades e Secult e nela o tal “ponto intrigante” acima levantado começou a ser respondido: a lenta e gradual mutilação do Programa Rede Cultura Jovem (PRCJ) tornou-se outro caso emblemático. 
 
Ali tornou-se mais claro que poderia haver a receada “intervenção curatorial”. Sem quê, nem por quê, projetos do PRCJ, alimentados pelo “fundo Sincades de cultura”, foram desmontados. O instituto chegou ao ponto de confiscar todo o equipamento da Yah TV, uma das ações do PRCJ. 
 
O “episódio Rede Cultura Jovem” pôs às claras uma parceria não só contraída como também conduzida às escuras. Mais além, expôs um escândalo: a Secult não tinha a menor ingerência sobre o PRCJ, mesmo sendo este uma das principais ações da pasta.
 
Se havia ingerência, havia-o em termos meramente burocráticos - aquela história do “governa mas não manda”. A vida, agonia e quase-morte do Rede Cultura Jovem foi determinado antes pelos humores de Idalberto Moro e Durval Uliana, gerente-executivo do Instituto Sincades. 
 
Ainda assim, já na reunião extraordinária do CEC, a questão dos critérios para seleção de projetos continuou sem resposta.  
 


Nessa mesma reunião, o secretário de Estado de Desenvolvimento Nery De Rossi gastou um terço de hora defendendo os Contratos de Competitividade (Compete-ES). O Compete 15, especificamente, salvaguarda a relação Sincades/Secult através de regras específicas de isenção tributária. 
 
A certa altura, ele - na hora, foi muito difícil crer que seu aparelho fonador emitia aquilo - afirmou que as verbas do Instituto Sincades destinadas aos projetos culturais eram uma “doação” do sindicato. Mais adiante, Moro ratificou a ponderação do secretário: é uma “doação”. Tudo não passava de um gesto de desprendimento empresarial. 
 
O problema é que a Justiça se dispôs a analisar a legalidade dos benefícios fiscais do Compete 15. E acabou por determinar a remessa de cópia de toda documentação sobre o convênio para o Ministério Público Federal (MPF). 
 
O magistrado observou que as transações comerciais - em sua maioria, interestaduais - ameaçam os cofres de outros estados em função da chamada “guerra fiscal”. Depois dessa, aquele papo de doação ficou muito do esquisito.
 
A entrada da Justiça na história, revelando a fragilidade jurídica que ampara as isenções fiscais do convênio, nos diz algumas coisas. Um: um nível zero de interesse move o apoio do Instituto Sincades à cultura capixaba. O “caso PRCJ” deixou claro que as regras de seleção de projetos eram pelo menos nebulosas.
 
Dois: o Instituto Sincades uniu o útil ao agradável (para si, claro). Foi agraciado com uma bem fornida isenção fiscal e, a cereja do bolo, ainda posava de guardião das artes capixabas. Não foi por acaso que a maior parte dos projetos apoiados era empreitadas de vulto - vide as grandes exposições no Palácio Anchieta.
 
Falando em palácio, uma dúvida ainda inquieta minh’alma: com que cara Moro e Uliana abrirão a grande exposição sobre Rubem Braga, nesta terça-feira (26), na sede do governo? A mostra tem apoio do Instituto Sincades. 

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