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Iphan embarga atividades no cemitério Padre Mathias, em Cariacica

Foram identificados danos ao patrimônio arqueológico devido a intervenções no local

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Espírito Santo (Iphan-ES) expediu notificação (nota técnica nº 45/2025) à Prefeitura de Cariacica, na gestão do prefeito Euclério Sampaio (MDB), embargando as atividades no cemitério Padre Mathias “até que sejam tomadas as medidas necessárias para resguardar os bens culturais ali existentes”.

Leonardo Sá

A nota técnica, assinada pelo arqueólogo Yuri Batalha de Magalhães, prevê, ainda, a discussão de medidas compensatórias, “haja vista os impactos realizados sobre o sítio arqueológico Cemitério Pedro Fontesbem como os prováveis impactos sobre o patrimônio arqueológico com a realização das intervenções de expansão do cemitério sem a adoção de medidas preventivas e mitigatórias necessárias, conforme preconiza a Instrução Normativa 01/2015”.

No documento consta que, no último dia 15, o arqueólogo foi ao cemitério, onde há um sítio arqueológico, para fazer uma vistoria. Ele já havia ido ao local no dia 16 de abril deste ano, para “atendimento de demanda recebida via FalaBR, na qual fomos informados sobre impactos ao sítio arqueológico devido à expansão do cemitério municipal”. Na denúncia, a pessoa relatou “depredação de sítio arqueológico em área ampliada do cemitério municipal. A abertura de novas covas está causando a depredação de sítio arqueológico. A parte em destruição é a mais próxima à baía de Vitória, nas últimas covas recentes”.

Na visita feita em abril, constatou-se que “de fato estava em curso grande expansão do Cemitério Padre Mathias, com muitas covas já utilizadas e muitas ainda abertas aguardando novos enterramentos. Durante a nossa vistoria, por exemplo, pudemos acompanhar a chegada de um cortejo fúnebre para o enterro de mais um cidadão”.

O texto aponta que, “para abertura de covas, inicialmente a prefeitura faz a terraplanagem do terreno, para a retirada das camadas superficiais do solo, deixando exposto um solo argiloso, de cor alaranjada. Posteriormente, com uma retroescavadeira, são abertas as covas, fechadas posteriormente por funcionários que atuam no cemitério municipal”.

Além disso, prossegue: “em nossa vistoria, pudemos constatar ainda a existência de muito vestígio material na área, sobretudo histórico, composto de faiança, vidros e cerâmicas antigas, além de conchas de bivalves, possivelmente descartados após o seu consumo pelas populações que habitaram a região ao longo do tempo”.

O arqueólogo constatou também que, “ao que parece, não há um projeto para a execução das novas covas, sendo que além da possibilidade de impacto sobre o patrimônio arqueológico, podemos supor também a possibilidade de danos ambientais. Cumpre indicar que ao sul das novas covas está localizado um trecho de mangue e da baía de Vitória, áreas que devem ter especial atenção por parte do poder público visando a sua preservação”.

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O cemitério, a Capela de São Francisco e o entorno são tombados pelo patrimônio histórico desde novembro de 2021, por meio do Decreto nº 274. Quanto à capela, que se situa dentro da área do sítio arqueológico, constatou-se que “está em péssimo estado de conservação, o que impede seu uso para a realização de missas e demais ritos fúnebres. Em consonância com o próprio tombamento municipal, consideramos que a Prefeitura de Cariacica deveria envidar esforços para restaurar este bem, já que os velórios na atualidade ocorrem em espaço improvisado, com o auxílio de uma tenda montada na entrada do cemitério”.

Na segunda vistoria, no dia 13 de agosto, o Iphan-ES identificou abertura de nova área de expansão no cemitério, de aproximadamente 0,304 hectares. “No local das novas covas, abertas desde a nossa última visita ao local, constatamos sobre o solo a presença de mais vestígios materiais como material conchífero, cerâmico (histórico) e vítreo. Não há a possibilidade de realização de investigação arqueológica nesta e nas outras áreas já mexidas devido ao sepultamento de pessoas no local”, diz a nota técnica.

Ao caminhar por estrada aberta para acessar novas áreas de expansão do cemitério, o Iphan constatou que uma área de 0,565 ha foi afetada, “sendo que em alguns trechos, essa intervenção atingiu a área do sítio arqueológico ‘Cemitério Pedro Fontes’. Também dentro da área do sítio identifiquei um buraco com cerca de 3 metros x 4 metros, utilizados para escoamento de água, próximo à antiga igreja”.

No cemitério eram enterrados os pacientes do Hospital Pedro Fontes. O equipamento foi criado em 1937 para isolar pacientes com hanseníase, doença também conhecida como lepra, normalmente retirados de maneira violenta do convívio familiar e social. Os filhos dos internos, por sua vez, eram encaminhados para o Educandário Alzira Bley, também em Cariacica, criado em 1940. O leprosário, também chamado de Colônia de Itanhenga, nasceu no contexto da política de isolamento e internação compulsórios de pacientes com hanseníase no primeiro governo do presidente Getúlio Vargas. Com a descoberta da cura da doença, o fim da internação compulsória aconteceu em 1962, mas há registros de que continuaram a acontecer, em todo o país, até a década de 80. 

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