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Orlando Faria revisita Arthur Bispo do Rosário em livro sobre arte e loucura

Artista plástico capixaba lança “O Segredo do Labirinto” em Vitória

Reprodução

O artista plástico capixaba Orlando da Rosa Faria lança nesta sexta-feira (17), às 19h, em evento aberto ao público no Instituto Marlin Azul, em Vitória, o livro O Segredo do Labirinto, uma leitura sobre a vida e a obra de Arthur Bispo do Rosário (1909–1989). O trabalho é resultado de uma pesquisa de mestrado realizada em 1996 na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), agora revisitada e publicada quase três décadas depois.

“Eu não quis publicar na época e acabei deixando o texto guardado. Um pouco antes da pandemia, encontrei uma cópia impressa, reli e não modifiquei nada. É um texto que continua atual, porque a obra do Bispo continua muito viva”, conta o autor.

O título do livro nasce da ideia de percurso e enfrentamento – uma referência à mitologia grega e ao Minotauro, mas também ao mergulho no inconsciente e nas zonas de exclusão que marcam a experiência da loucura. “O labirinto é esse lugar onde você se perde, é ameaçado. É uma metáfora do inconsciente, da busca por si mesmo, da resistência diante da desintegração”, explica o autor.

Arquivo Pessoal

O interesse de Orlando pela obra de Bispo começou ainda nos anos 1980, quando viu suas peças pela primeira vez em uma exposição no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro. Depois, durante a pesquisa, aprofundou o contato com o acervo mantido na Colônia Juliano Moreira, o mesmo manicômio onde Bispo viveu por mais de 50 anos, diagnosticado com esquizofrenia paranoide.

“Ele foi excluído do mundo e colocado em um hospício. E ali, apesar das condições duras, dos tratamentos violentos e da pobreza, construiu uma obra de ressuscitação, de reavivamento do eu. Criou um universo próprio, no qual ele cabia, no qual era o centro”, afirma.

A pesquisa também reflete sobre as dimensões sociais e raciais que atravessam a trajetória do artista sergipano. “A exclusão dele está ligada a muitos fatores – ser negro, pobre, diagnosticado como louco. Não é uma denúncia militante, mas uma consciência da própria condição. Tudo isso está presente na obra”, analisa Orlando, destacando que Bispo construiu sua expressão artística em um contexto de extrema marginalização, sem contato com circuitos ou escolas de arte.

Arthur Bispo do Rosário nasceu entre os anos de 1909 e 1911, e foi para o Rio de Janeiro nos anos 20, onde se alistou na Marinha de Guerra e permaneceu por nove anos. Conta-se que aos 28 anos de idade, depois de uma visão de Cristo descendo, com sete anjos, no quintal de sua casa, ele vagou pelas ruas cariocas até ser preso e internado. Produziu cerca de mil peças entre bordados, estandartes, assemblagens e objetos feitos com restos de materiais descartados no cotidiano da instituição: roupas, latas, garrafas, fios, pedaços de madeira. “Ele se deu como missão reconstruir o mundo e a arte foi a maneira que encontrou para fazer isso, para dar sentido à existência”, comenta Orlando.

Reprodução

O livro analisa a produção de Bispo como um processo de reconstrução simbólica, em que a arte atua como ferramenta de sobrevivência e recomposição da identidade. “No manicômio, o sujeito perdia tudo: o cabelo, as roupas, o nome. Ganhava um número. A arte foi o caminho que ele encontrou para refundar a própria individualidade”, diz. “É uma obra que se faz contra o apagamento, uma forma de ressuscitar entre os destroços da loucura”.

A obra de Bispo do Rosário é reconhecida internacionalmente, tendo integrado exposições em museus e bienais ao redor do mundo, incluindo a Bienal de Veneza, em 1995. “Paradoxalmente, alguém que foi excluído, que viveu no isolamento, hoje é uma figura respeitada e valorizada. Ele cumpriu uma função, deu sentido à própria vida e deixou um legado universal”, observa o artista capixaba.

Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) por 25 anos, Orlando divide atualmente seu tempo entre o Brasil e Portugal. Sua produção transita entre diferentes linguagens – pintura, desenho, fotografia, vídeo e instalação – e reflete uma visão da arte como modo de existir e compreender o mundo. “A arte é a minha maneira de estar no mundo. É como eu vejo, interpreto e percebo as coisas. Não saberia ser de outro jeito”, ressalta.

Ao revisitar a trajetória de Bispo do Rosário, ele reconhece ecos da própria condição do artista contemporâneo, que também precisa reinventar o mundo a partir da precariedade e da busca por sentido. “Cada artista, a seu modo, tenta reconstruir o mundo. Bispo fez isso de dentro do hospício; eu faço através das linguagens que pratico. O que aprendo com ele é a verdade e a coerência do trabalho. Isso me estimula muito como artista”.

A publicação traz apresentação do professor Waldir Barreto e prefácio da poeta, filósofa e psicanalista Viviane Mosé. “Quero que as pessoas conheçam a obra do Bispo e que isso traga algum tipo de conhecimento ou experiência boa para a vida delas. Que vejam como a criação pode ser uma forma de sobrevivência e reinvenção”, enfatiza Orlando.

Reprodução

Serviço

Lançamento do livro O Segredo do Labirinto, de Orlando da Rosa Faria
Dia: 17 de outubro (sexta-feira)
Horário: a partir das 19h
Local: Instituto Marlin Azul – Rua Oscar Rodrigues de Oliveira, nº 570, Jardim da Penha, Vitória
Aberto à comunidade.

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