Sábado, 27 Abril 2024

Primeiros voos da aviação capixaba

Primeiros voos da aviação capixaba
Foi um domingo glorioso, todos contemplando o céu de Vitória num silêncio maravilhado. O povo veio em massa. O governador Carlos Lindemberg e o arcebispo de Vitória D. Luis Scortegagna também compareceram. O poderoso Assis Chateaubriand tinha ordens para cobrir todo e qualquer evento que envolvesse aviação no Brasil e enviou seus Diários Associados para registrar o fato histórico. Era 20 de abril de 1947. 
 
“Vitória conheceu seu primeiro grande engarrafamento”, conta o jornalista Álvaro José da Silva (abaixo), autor de Patrulha da Madrugada - O Início da Aviação no Espírito Santo. O livro rememora a extasiante festa de formatura de cinco “jovens sonhadores” formandos em aviação. Por extensão, escreve uma bela página na história da aviação capixaba. O livro foi contemplado pela Lei Rubem Braga.
 


Um dos cinco patrulheiros se chamava Nelson de Albuquerque Silva, pai do autor. Nascido em Campos (RJ), chegou ao Espírito Santo em 1938 como funcionário da Construtora Mauá, do Rio de Janeiro, para trabalhar nas obras do Cais do Avião, em Santo Antônio. Após 47, passou a trabalhar como piloto privado e gerente de empresas aéreas.
 
Portanto a infância, adolescência e maturidade de Álvaro povoaram-se de histórias de aviões e aviadores. Desde criança, voou muito em Vitória com o pai e, anos mais tarde, quando da mudança para São Paulo, a obsessão se manteve, sempre com o pai ao lado, cruzando os céus do Brasil. 
 
O livro reúne razão e emoção, ciência e afeto. “Fiz o livro com a ideia de registro da história da aviação no Espírito Santo e, ao mesmo tempo, quis prestar um tributo ao meu pai”, explica.
 
Nelson de Albuquerque Silva faleceu em 2008. Álvaro sentiu que o pai não estava bem, já nem voava em razão das restrições impostas pela idade avançada. Ouviu muitas histórias dele. Tentou concluir a obra com o pai ainda vivo. Mas não foi fácil, nem mesmo para um homem desde criança habituado a ver as coisas lá do alto. 
 
Foram quatro anos de pesquisas, conversas, entrevistas. Logo na apresentação, o autor lamenta, com toda a razão, a tão conhecida negligência oficial com a memória nacional. Ainda assim, em suas 140 páginas, o livro traz bibliografia, fotos da época e reproduções de jornal (como capas de A Gazeta anotando o histórico domingo).



O lamento, no entanto, não é choro. "O processo de pesquisa foi trabalhoso, mas emocionante. Você se lembra de coisas muito caras para a vida da gente", diz, naquele tom de saudade.
 
Patrulha da Madrugada é a história de um dia na vida de Dário Endlich Tavares, David Antônio Strong, Fernando Gaspar de Oliveira, Lourenço Fernando Tamanini e Nelson de Albuquerque Silva. Os cinco integraram a sexta turma do Aeroclube do Espírito Santo, até então a menor turma de formandos.
 
Uma sombra de insegurança cobria o Brasil daqueles anos. Mesmo a partir de 46, um ano após o término da Segunda Guerra Mundial, a tensa atmosfera não se esvaiu. A precaução fez do poder aeronáutico uma virtude estratégica. Ter pilotos em larga escala tornou-se indispensável à segurança nacional.
 
Daí a importância de todas as seis turmas do Aeroclube do Espírito Santo. Os capixabas, especificamente, enfrentavam uma sorte infindável de adversidades nos quatro meses de curso.
 
Como nos dizem as fotos, os alunos tomavam aulas dos instrutores sentados na terra seca do então precário Aeroporto de Goiabeiras. Se chovesse era lama na certa. Outra imagem mostra a tosca operação de abastecimento: com o galão, um funcionário de bermuda e camisa verte a gasolina de avião num funil, que vai direcionar o líquido. “Era tudo muito improvisado e, portanto, muito perigoso”, resume Álvaro.
 


No dia da festa, atendendo a uma demanda dos formandos, as autoridades obrigaram os empresários do setor de transporte público a disponibilizar ônibus gratuitamente para levar a população de Vitória ao aeroporto. O trânsito foi modificado nas imediações do Parque Moscoso (naqueles anos, o Centro era o coração da ilha). Mesmo com poucos carros particulares, lotações, taxis e outros veículos, houve engarrafamento. 
 
O dia começou às 8h com a missa celebrada por Dom Luis Scortegagna no Aeroporto de Goiabeiras. Às 9h, Carlos Lindemberg comandou a solenidade de entrega dos brevês. Às 10h, iniciaram-se as provas aéreas, com direito ao espetáculo de paraquedismo apresentado pelo francês Charles Astor, então campeão brasileiro e mundial. 
 
A comemoração encerrou-se às 20h, no Clube Vitória, com a entrega dos diplomas aos cinco sonhadores, a coroação da Rainha do Aeroclube e um baile de gala que teve a presença do governador. Vitória parou naquele domingo.
 
A designação Patrulha da Madrugada reflete uma época e uma obstinação. Como já explicamos, o pós-guerra legou um clima de tensão. O Brasil se precavia de surpresas desagradáveis. Uma das estratégias era guarnecer, ou patrulhar, o espaço aéreo. A esses “patrulheiros” cabia a vigilância do litoral da Grande Vitória. 
 
E durante o curso, todos deveriam alcançar o céu antes do sol nascer: eles acordavam às três da manhã para apenas meia hora depois se encontrarem na Praça Costa Pereira e seguirem para o Aeroporto de Goiabeiras, onde deveriam chegar no máximo às 4h30. Todos estavam em terra antes da 7h, já que, nada é fácil, tinham que trabalhar. 

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