Sexta, 29 Março 2024

Raskólnikov, seu crime e seu castigo, e Dostoiévski

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Fiódor Dostoiévski se revela um romancista que investiga os meandros e as sombras da alma humana. Os conflitos estabelecidos vêm tanto de comportamentos que estão no limite entre uma moral estabelecida, como de teorias extravagantes de personagens como Raskólnikov em Crime e Castigo, e também de realidades sociais deploráveis.

Temos outros personagens na obra de Dostoiévski que desafiam o pacto social, mas aqui nos concentraremos na criação dostoievskiana em Crime e Castigo.

O contraste entre Tolstói e Dostoiévski, era o de que Tolstói aparece como um retratista das grandes famílias de proprietários de terras dos estratos superiores da Rússia, com grandes romances históricos e tramas de amor, aqui falando tanto de Guerra e Paz como de Ana Kariênina. E nesse último romance, Tolstói nos fornece a descrição da vida tranquila, estável e imutável destes personagens que estavam num plano social superior e bem resolvido. Por seu turno, Dostoiévski narrava as desventuras humanas de estratos sociais que viviam na penúria e em tentações do espírito que esgarçavam as fronteiras morais.

Dostoiévski mergulha na literatura e na vida boêmia de São Petersburgo, o que levaria o romance Crime e Castigo, por exemplo, possuir uma descrição bem perfeita das ruas e climas e da gente desta cidade, e lá, em São Petersburgo, que ele esboça seu primeiro romance, Gente Pobre, publicado em 1846. Contudo, mesmo com adiantamentos financeiros e sucesso literário de seu primeiro romance, se mantinha escrevendo folhetins para jornais e revistas, gênero literário que estava em alta na Rússia.

O segundo romance, O Duplo, não faz tanto sucesso quanto a sua estreia, e nesta época Dostoiévski se junta ao jovem de 26 anos de nome Petrachévski, que possuía ideias avançadas sobre socialismo, e Dostoiévski acaba preso acusado de conspirar contra o soberano russo, Nicolau I, e insuflar a revolução camponesa contra a escravidão. O escritor é condenado à morte, mas é salvo na última hora, já diante do pelotão de fuzilamento, quando o imperador comutou a pena de morte e condenou os revoltosos a trabalhos forçados na Sibéria, durante quatro anos. Experiência que inspirou o romance de Dostoiévski, Recordações da Casa dos Mortos. Foram quatro anos no presídio de Omsk.

Em 1854 é mandado para Semipalatinsk e lá conhece Maria Dmítrievna Issáiev, que era casada, mas logo ficaria viúva, e o escritor se casa com ela, em 1857. Depois da abolição da servidão, Dostoiévski volta para São Petersburgo. Nesse retorno, publicou o romance-folhetim Humilhados e Ofendidos, e Recordações da Casa dos Mortos. Em 1864, Maria Dmítrievna morre, e também seu irmão e parceiro de toda a vida, Mikhail.

É nessa segunda metade de sua vida que surgirão os seus romances mais impressionantes, clássicos da literatura mundial, pois Dostoiévski publicará a partir daí: Memórias do Subsolo (1864), Crime e Castigo (1866), Um Jogador (1866), O Idiota (1868), O Eterno Marido (1870), Os Demônios (1871), O Adolescente (1875) e Os Irmãos Karamázov (1880), além de seu Diário de um Escritor (1873-1881).

Na etapa final de sua vida, Dostoiévski contou com o apoio de Ana Grigórievna (Snítkina) Dostoiévskaia, sua última esposa e também estenógrafa, para quem ele ditou Um Jogador durante 26 dias, tomado por dívidas financeiras. É a ela, por fim, que Dostoiévski dedica o seu romance Os Irmãos Karamázov.

Dostoiévski morreu em 28 de janeiro de 1881.

Em um primeiro momento, Dostoiévski retrata o drama interno do jovem Raskólnikov, e sua decisão calculada e progressiva de matar a velha usurária, a febre e o delírio que o dominam depois de ter cometido o duplo crime, em que assassina a velha e a irmã dela.

Em um segundo momento, encontramos Raskólnikov com seu amigo Razumíkhin, ou provocando o oficial Zamiótov, ou discutindo com o juiz de instrução Porfírii Petróvitch um artigo que havia escrito, em que se tem uma concepção questionável e extravagante em que Raskólnikov dividia a humanidade entre ordinários e extraordinários, afirmando que os extraordinários teriam o direito de matar.

O romance apresenta pelo menos quatro núcleos de personagens que gravitam em torno de Raskólnikov: seus amigos, como Razumíkhin, os investigadores, formado por Porfírii Petrovich e o escrivão Zamiótov, os familiares, como Dúnia, sua irmã, e sua mãe, além do pretendente Lújin e o ex-patrão de Dúnia, Svidrigáilov, que tem papel mais importante no final do romance, e o núcleo da família de Marmeládov, o bêbado, com os filhos, a esposa doente e Sônia, que teve de se prostituir para sustentar a família do pai. Sônia, que aparece como peça fundamental na segunda metade do romance, é uma jovem de 18 anos.

As motivações pretensamente filosóficas do crime de Raskólnikov são retratadas no romance Crime e Castigo de forma extravagante, a tese dele ser um piolho humano como todos os outros ou de ter o direito de matar, esta ideia associada a seu artigo de jornal, e toda uma justificação pseudo-moral para o ato criminoso, toda a trama com sua família que fica sabendo de seu crime, a alienação de sua mãe, e o tema da loucura que, volta e meia, povoa personagens do romance, numa trama psicológica que vai ao limite e retrata uma realidade absurda.

Com Sônia é que Raskólnikov vive as cenas mais fortes do romance Crime e Castigo, em que se dá a sua confissão do crime, e também o momento em que ele pede que ela leia um trecho do Novo Testamento, em que está a passagem sobre a ressurreição de Lázaro. Ao fim do romance, com Dostoiévski já retratando no epílogo um Raskólnikov preso e fazendo trabalhos forçados, ele encontra Sônia novamente e se abre a possibilidade de sua redenção, já vislumbrando a sua vida após a prisão, em que o episódio bíblico de Lázaro reaparece, como uma promessa de ressurreição, isto é, a regeneração e renascimento de Raskólnikov para uma nova vida, junto com Sônia.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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