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Um museu no meio da roça?

Museu em Marechal Floriano quer unir natureza e arte contemporânea

Uma placa de madeira pintada à mão com uma seta indica: museu. Acabamos de sair da BR-262 e entrar na estrada de chão na zona rural em Victor Hugo, no município de Marechal Floriano, a pouco mais de 70 quilômetros de Vitória. A placa rústica não é ainda uma sinalização oficial, mas sim uma orientação para os fornecedores que vão e vêm para um projeto em construção.

Vitor Taveira

“Um museu de arte contemporânea que buscará refletir e provocar sobre os rumos do planeta usando os elementos naturais como fonte de inspiração artística”. Essa proposta ousada é a base do Museu Escola Saíra Apunhalada (Mesa), que está sendo instalado numa antiga fazenda agrícola de 13 hectares adquirida por Eider Barreto de Oliveira Junior, dentista aposentado e licenciado em Artes Visuais.  

“O Museu Escola reafirma em seu próprio nome o aspecto pedagógico”, afirma. As visitas guiadas e atividades formativas fazem parte da estratégia do projeto. Além do conceito do nome, seu acrônimo leva uma homenagem a um pássaro raríssimo da Mata Atlântica, em sério risco de extinção e avistado na maioria das vezes no Espírito Santo. A sigla, diz, remete a um objeto cotidiano, usado tanto para o planejamento como para a alimentação.

O terreno onde o projeto está sendo instalado é montanhoso, possui uma pedaço de mata primária e uma grande parte degradada pela agricultura convencional e plantio de eucalipto que vem sendo regenerada com a implementação de uma agrofloresta e plantios agrícolas diversos. Em quatro meses, um monitoramento de fauna por meio de avistamento e armadilhas fotográficas já teve mais de mil de 179 espécies, incluindo pássaros, tamanduá, jaguatirica, sapos, teiú, camaleão e gato mourisco.

Caminhadas pela mata remanescente são uns dos atrativos que já podem ser aproveitados por quem visita o empreendimento em construção, que teve estradas e trilhas melhoradas.

Imagem aérea do local onde o museu é construído. Foto: Divulgação/Mesa

A ideia é que seja um museu “na roça”. Um primeiro e pequeno experimento com canteiros produtivos dá o tom da como seria um paisagismo produtivo, que Eider busca diferenciar do que chama um “paisagismo de prancheta”, como do Instituto Inhotim, em Minas Gerais, considerado o maior museu a céu aberto do mundo, ou o paisagismo de Roberto Burle Marx, um dos mais famosos do ramo no Brasil, que considera estéreo. “É lindo mas não dá pra comer”, brinca.

A proposta é que obras e instalações artísticas se encontrem e dialoguem com o meio natural e com a paisagem comum da região. O criador quer que o espaço não seja uma “bolha”, mas sim uma “esponja”, que absorva as práticas socioprodutivas da região. Além disso, o foco não devem ser artistas de fora, mas sim instalações e exposições de artistas capixabas ou residentes no Espírito Santo. Outra questão que o idealizador do projeto pretende reforçar é a acessibilidade em todos os espaços.

Imagem ilustrativa gerada por Inteligência Artificial por Eider Junior busca expressar conceito almejado pelo Mesa

Gênesis

A porta de entrada do futuro museu é um tradicional galpão usado no meio rural, que vem sendo reformado com a construção de espaços para a recepção, auditório, uma sala de exposição, escritório, banheiros e outros espaços. Logo em frente estão planejados a construção de um jardim sensorial e uma obra de entrada, nomeada Gênesis, em que se pretende criar uma queda d’água na altura da visão do visitante, para provocar os sentidos a partir do líquido vital. “A obra é uma metáfora da gestação e do nascimento humano. Como será a primeira a ser experimentada no museu, vai sugerir um renascimento, um convite a uma nova forma de encarar a arte, a vida e as coisas do mundo”, diz a apresentação do Mesa.

Além dela, Eider Junior já visualizou outras três obras. Uma delas, chamada provisoriamente de Acqua ou Catedral das Águas, seria suspensa em palafitas permitindo vislumbrar uma das nascentes do terreno. A Ponte Krenak se ergueria sobre uma lagoa, mas não a cruzaria, voltando ao ponto de partida, provocando reflexões inspiradas na cosmovisão indígena. Os povos originários também serão convidados para construir mais uma obra, uma oca tradicional que servirá como porta de entrada para a mata nativa.

Ainda se pensa numa outra instalação, construída num ponto mais alto e remoto, onde um pavilhão minimalista com o teto vazado fará do céu da região a atração principal, permitindo contemplar as cores e luzes do entardecer e as estrelas de uma região afastadas das luzes e poluição que nos impedem de ver o espetáculo proporcionado pelo universo. Nenhuma delas teve a construção iniciada ainda.

Dentista e graduado em Artes Visuais, Eider Junior é idealizador do Mesa. Foto: Vitor Taveira

A inauguração oficial do Museu Escola está prevista inicialmente para abril de 2026, segundo Eider, mas o local já tem recebido visitas de interessados e possíveis apoiadores, algo que deve ser intensificado e publicizado nos próximos meses. Já está agendada também uma pré-inauguração em uma data emblemática: 9 de novembro, véspera do início da Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas, a COP 30, que acontece em Belém (PA). A Emergência Climática é um tema que o Mesa quer colocar como central, junto a questões como o uso responsável dos recursos naturais, a agricultura inteligente, a descarbonização, a justiça climática e o consumismo.

Na ocasião, o espaço pretende fazer uma apresentação mais oficial do andamento da construção do museu, incluindo uma exposição sobre pássaros da região, atividades de reflorestamento e avistamento de aves e apresentações de fotos, vídeos e maquetes do processo de criação da primeira obra a ser feita no museu.

Ainda em obras, espaço tem recebidos visitas de interessados e apoiadores. Foto: Divulgação

Por meio do primeiro projeto aprovado pelo Mesa em políticas de fomento à cultura, financiado pela Secretaria de Cultura do Espírito Santo (Secult), tem sido feito um processo de mapeamento e registro da história e saberes de mateiros, erveiras e lideranças da comunidade, que participarão de uma oficina junto a um escultor para a criação da maquete.

Um segundo projeto, aprovado na Lei Rouanet mas ainda em processo de captação junto a empresas, quer proporcionar no ano que vem uma residência de quatro artistas em linguagens diversas para criação de projetos para novas obras. “Queremos provocar o que estamos chamando de arte ambiental, inspirada na natureza. Que os artistas estejam imersos e recebendo também estímulos no local”.

Desafios

A base da construção do Mesa vem sendo feita com recursos próprios de Eider Junior, fruto de sua carreira na odontologia. Vendeu imóveis para apostar no sonho, tecendo um laço de sua criança que amava história e museus com o homem que aos 55 anos, prestes a se aposentar, entrou na faculdade de Artes Visuais e se encantou com as possibilidades da Arte Contemporânea.

Parte da vista da Mata Atlântica a partir da área do museu, que terá trilha pela floresta. Foto: Vitor Taveira

No final de 2023, adquiriu o terreno em Marechal Floriano, depois de procurar também em Santa Teresa e Domingos Martins. “Eu tenho o benefício de propor a natureza, de pedir para as pessoas atenção para ela enquanto objeto artístico. Ela está ali sendo trabalhada e respondendo ao que estamos fazendo, está ficando bonito, legal de visitar. De certa forma, mesmo antes de ter obras ali, já tenho algo que as pessoas possam se render a uma beleza e a um paisagismo produtivo que está sendo construído”. Uma caixa de legumes e verduras plantados e colhidos sem agrotóxicos está disponível por lá, como provas dos primeiros experimentos paisagísticos.

Pelo menos esta forma de arte dá garantia de que não se vai passar fome. Ainda assim, a questão financeira é o maior desafio, acredita. Os recursos investidos serão para estrutura o espaço. “A partir daí, o projeto precisa ser autosustentado, precisa ter uma política sólida de financiamento, e eu tenho pensado muito numa cadeia colaborativa em que pessoas do entorno são convidadas a ser parceiras em questões relacionadas com a vocação da propriedade”.

Além da possibilidade de bilheteria e captação de recursos com projetos culturais, o idealizador pensa na construção de viveiro, na comercialização de produtos, na oferta de alimentação e hospedagem no local, entre outras ideias.

Apesar do tamanho do desafio, Eider o encara com serenidade. Pergunto a ele sobre o que o faria se sentir realizado com o projeto. Ele pensa na inauguração da primeira exposição como um possível marco. “Mas tenho bem clara a ideia de processo. Hoje já estou feliz”.

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