Vice-presidente do CELGBT+ES, Agatha Benks aponta violências e exclusão estrutural
No país onde mais se mata pessoas trans no mundo, o acesso a direitos básicos ainda é negado para a maioria dessa população. Apesar da luta do movimento LGBTQIAPN+ e a conquista de espaços de participação política, que garantiram alguns avanços em políticas afirmativas, a população trans continua enfrentando as piores consequências de uma “cultura ideológica racista, machista e que exclui pessoas LGBT”, ressalta a vice-presidente do Conselho Estadual LGBT (CELGBT+ES), Agatha Benks. “A letra T é o grupo mais vulnerável dentro da comunidade LGBTQIAPN+, com as maiores taxas de violência, exclusão e marginalidade”, destaca. No Espírito Santo, embora o CELGBT+ES atue em prol da criação de políticas públicas afirmativas, os desafios são imensos frente às violações que persistem, alerta a ativista.

Entre as principais dificuldades enfrentadas está o acesso a serviços em um sistema público de saúde que, mesmo para pessoas cisgênero, já é marcado pela precariedade. “Para pessoas trans, o caos é ainda maior. É necessário romper padrões para acessar um atendimento qualificado e sem violência” observa. Ela ressalta os esforços do Conselho em dialogar com a Secretaria de Saúde para ampliar o acesso a consultas, hormonização e cirurgias, além de garantir a capacitação dos profissionais para que não reproduzam violências estruturais.
No Estado, o Ambulatório Trans do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), é referência em serviços como hormonioterapia, atendimento psicológico e acompanhamento pré e pós-operatório de procedimentos de redesignação sexual, seguindo os protocolos do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Ministério da Saúde. No entanto, enfrenta limitações de funcionários e estrutura para atender uma demanda crescente, o que resulta em longas listas de espera para ingressar no programa.
Devido a isso, o Hucam deixou de realizar cirurgias de afirmação de gênero desde 2019. A situação motivou a abertura de um inquérito pelo Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF), que apurou a falta de estrutura para a realização das cirurgias. Contudo, o procedimento foi remetido ao Ministério Público Estadual (MPES), sob o argumento de que a responsabilidade pela política pública é do Estado, conforme as normas do SUS. Atualmente, o caso permanece em fase extrajudicial, sem avanços para uma ação judicial até o momento.
País que mais mata
Para a ativista de direitos humanos Agatha Benks, vice-presidente do Conselho Estadual LGBT (CELGBT+ES), a insuficiência de políticas públicas para retirar a população transgênero da condição de sobrevivência é evidenciada pela persistência dos altos índices de violência e transfeminicídio no Brasil, o país que mais mata pessoas trans no mundo pelo 17º ano consecutivo, como revela o dossiê Registro Nacional de Mortes de Pessoas Trans no Brasil em 2024, da Rede Trans Brasil.
País que mais mata
Apesar de uma leve redução em relação a 2023, 105 pessoas trans foram mortas no último ano. A maioria das vítimas são mulheres trans e travestis, majoritariamente jovens, racializadas e trabalhadoras sexuais. O levantamento, que será oficialmente lançado na próxima quarta-feira (29), nas redes sociais da organização, considera os casos registrados até 30 de setembro de cada ano e apontou ainda que em 66% dos casos as investigações ainda estavam em andamento, enquanto em 34% o suspeito foi preso.
Agatha relembra o caso de Thiara, uma mulher trans de Alegre, no sul do Espírito Santo, cujo assassinato brutal, em setembro último, permanece sem solução. “Existe muita violência de gênero, transfeminicídio. Há um ódio profundo por pessoas como eu. Já realizamos manifestações em Cachoeiro de Itapemirim e até na portas da delegacia de Alegre, exigindo justiça. Quem matou Thiara? Até hoje não temos respostas”, denuncia. Thiara desapareceu no dia 2 de setembro, após sair de casa no bairro Vila do Sul, em Alegre. Seu corpo foi encontrado carbonizado em uma área de mata em Guaçuí, no sul, no dia seguinte. Em novembro, a Polícia Científica confirmou a identidade por meio de exame de DNA, e o caso é tratado como homicídio, mas a investigação permanece sem desfecho.
Educação e empregabilidade
A vice-presidente do conselho estadual LGBT+ alerta para a urgência de criar ações que promovam educação inclusiva, empregabilidade, acesso à saúde e segurança, além de garantir que crimes transfóbicos sejam devidamente investigados e punidos. Para ela, a situação de exclusão vivida pela população trans está relacionada a um cenário social e político conservador, como exemplificado pela promulgação da Lei que proíbe discussões sobre identidade de gênero e orientação sexual nas escolas públicas e privadas de Guarapari, na região metropolitana do Estado. De autoria do vereador Luciano Costa (PP), o projeto de lei foi aprovado por unanimidade, sem debate prévio pela câmara de vereadores e foi denunciado ao Ministério Público.
Agatha destaca a importância da educação como um espaço de formação, onde a diversidade deve ser discutida para desconstruir a opressão. “Escola é sinônimo de pluralidade. Eu pude me formar somente depois de adulta porque fui evadida pela transfobia que eu sofria. O conservadorismo me expulsou daquele ambiente”, relata. A representante da entidade também defende a inclusão de pessoas trans nas universidades e no mercado de trabalho para corrigir desigualdades históricas. Políticas como essas têm gerado resultados positivos em diversas instituições no Brasil, onde foram implementadas cotas para pessoas trans nos processos seletivos, ressalta. “Isso não só amplia o acesso, mas também ajuda a desconstruir estigmas e fomenta debates sobre diversidade e inclusão”.
Na Ufes, a Reitoria se comprometeu a criar dois grupos de trabalho (GTs) para discutir a implementação de cotas e políticas de permanência estudantil. O movimento de ativistas LGBTs, lideranças estudantis e docentes exige que a universidade adote um compromisso com a inclusão da população trans, como já foi feito por outras universidades federais, como a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e a Universidade Federal do ABC (UFABC), que já implementaram cotas para transexuais e travestis.
Avanços políticos
Apesar dos retrocessos, o Espírito Santo é um dos poucos estados a contar com um Plano Estadual de Enfrentamento à LGBTfobia, elaborado pelo CELGBT+ES. Vigente até 2026, o plano orienta políticas públicas e reafirma compromissos com a inclusão. O presidente do conselho, Filipe Vieira, destaca avanços políticos como a criação do Conselho Estadual LGBT+ em 2016, a reestruturação da Secretaria de Direitos Humanos para incluir uma Gerência de Diversidade Sexual e Gênero, e iniciativas como o Projeto Piloto EMPODERA+, voltado à garantia de trabalho digno e geração de renda, especialmente para pessoas trans e travestis em situação de vulnerabilidade social.
Além disso, a Secretaria de Estado de Direitos Humanos coordena o SAHUV, um serviço que realiza formações em educação em direitos humanos, fortalece a rede de proteção e enfrentamento à violência, e mantém parcerias com outros órgãos para garantir a escuta qualificada e o sigilo nos atendimentos.
Entre os desafios que permanecem, ele aponta a necessidade de implementar um decreto para regulamentar o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero na administração pública estadual, além da retomada das cirurgias de redesignação sexual no HUCAM e da ampliação de atendimentos especializados. A criação da Câmara Técnica da Saúde Integral da População LGBTI+ em 2021 tem avançado na descentralização de serviços, com municípios como a Serra, na Grande Vitória, já oferecendo atendimentos específicos.
Semana da Visibilidade
Em alusão ao Dia Nacional da Visibilidade Trans, que acontece em 29 de janeiro, o Conselho Estadual LGBT+ organiza a 6ª Semana Estadual da Visibilidade Trans, que começou nessa sexta-feira (24), e vai até 8 de fevereiro. A programação inclui oficinas, debates, lançamentos de materiais informativos e eventos culturais espalhados pelo estado. Confira a programação:
Dia 28/01 (terça-feira)
14h: Vogue Class com Keisa Realiza
Local: Casa Gold
Dia 29/01 (quarta-feira)
10h: Divulgação Cartilha “Tenho Nome quero respeito”, elaborada pela SEDH e Conselho Estadual LGBT+ do Espírito Santo
Local: Site www.sedh.es.gov.br
13h: Cine Debate: Visibilidade Trans Desafios na Permanência na Universidade.
Local: Teatro Universitário da Ufes
20h: Lançamento vídeo Rogéria Guimarães para o Ponto de Memória. do Ebook do 1º Seminário de Transfobia Ambiental.
Local: YouTube Associação Gold
Dia 30/01 (quinta-feira)
19h: Lançamento do E book do 1º Seminário de Transfobia Ambiental
Local: Instagram @associacaogold
Dia 31/01 (sexta-feira)
20h: Slam Gold & Slam da Orla
Local: Casa Gold
Dia 01.02 (sábado)
16h: Diálogo Trans – Frente e Verso
Local: Pousada do Vale – Itaipava – Itapemirim
16h: Grito de Carnaval
Local: Casa Gold