quinta-feira, novembro 13, 2025
23.9 C
Vitória
quinta-feira, novembro 13, 2025
quinta-feira, novembro 13, 2025

Leia Também:

Acampamento Vila Esperança sofre saída forçada do Centro de Vitória

Comunidade ocupa área em Ponta da Fruta e reforça crítica à negligência do governo

Despejadas de seus territórios e impedidas de permanecer no acampamento em frente ao Palácio Anchieta, no Centro de Vitória, as famílias da comunidade Vila Esperança agora se abrigam de forma improvisada em instalações desativadas no balneário Ponta da Fruta, em Vila Velha. A mudança, explicam, foi a alternativa encontrada diante da repressão policial enfrentada pela comunidade depois de removidas de Jabaeté, no último dia 9 de setembro.

A pedido do governo do Estado, o juiz Carlos Magno Moulin Lima, da 1ª Vara de Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente, Saúde e Acidentes de Trabalho, determinou que o acampamento fosse removido para que se cumprisse mandado de manutenção de posse.

Em carta-manifesto divulgada nesse fim de semana, as famílias afirmam que a saída do Centro de Vitória, após quase um mês, não foi uma escolha voluntária, mas resultado da pressão e de ameaças do uso de força policial. “Não deixamos a porta do Palácio do Governo por vontade própria nem por desistência da luta. Fomos obrigadas a recuar, neste momento, para proteger nossas crianças, idosos e demais integrantes”, explica.

Carol Rocha

As famílias ressaltam que “é falso o discurso amplamente divulgado pelo governo estadual de que recebemos auxílio: o que recebemos foi apenas uma liminar determinando nossa retirada e, junto a ela, a sombra da repressão. Não queremos ser novamente vitimizados pela violência do Estado”.

O manifesto reforça, ainda, a luta por dignidade. “Criminalizam nossas famílias apenas por quererem um lar, depois que nossos territórios foram transformados em pó pelos tratores. Tentam apagar nossa história, mas seguimos vivos. Seguimos firmes. A moradia digna é um direito humano e o descaso político com Vila Esperança é inaceitável”.

Após deixarem o Centro de Vitória, as famílias enfrentam dificuldades no espaço onde encontraram abrigo emergencial, que não oferece condições adequadas de habitação. “Não tem nem energia, nem água, mas está melhor do que ficar na chuva e no vento. As famílias estão mais protegidas nessa situação”, contou a presidente da ocupação, Adriana Paranhos, conhecida por Baiana.

Segundo ela, mais de 240 famílias já se encontram espalhadas pela região. “Nós não estamos reivindicando esse espaço. De maneira nenhuma! Até porque esse local nem foi projetado para servir como moradia, é um espaço comercial. Mas, sem opção, ou a gente vinha para cá ou sofreria de novo despejo da rua”.

Ela também relata a repressão policial enfrentada durante a mudança do acampamento, acompanhada por mais de 20 viaturas, que os cercaram quando chegaram ao local. “Fomos ameaçados assim que chegamos, não queriam nos deixar descarregar os pertences do caminhão, quebraram o portão, e falaram que nós iríamos experimentar bala de borracha”.

Para ela, o episódio demonstra a falta de humanidade do poder público. “O governo não tem preocupação de cuidar. Estamos aqui para sobreviver, é uma nova etapa da luta e não gostaríamos que fosse esquecida a história de Vila Esperança. Ainda precisamos de apoio, principalmente de uma solução digna de moradia, que é direito de todo cidadão”, prossegue.

Adriana reforça que o direito à educação das crianças também vem sendo violado desde o despejo. “Já tem um mês que elas foram retiradas do lugar onde frequentavam a escola. Agora precisam de ônibus para estudar, mas não tem. O Estado e o município não estão garantindo nada”, denuncia.

Redes Sociais

A comunidade busca apoio da Defensoria Pública e de organizações de direitos humanos para efetivar medidas emergenciais. “Nós vamos abrir processo contra o Estado, o município e o Ministério Público Estadual, justamente pelas crianças que estão prejudicadas. Essa luta não acabou. Vamos continuar fazendo a movimentação, batendo na porta deles, porque não podemos esquecer do que fizeram conosco”.

Até o momento, a única proposta apresentada é a ampliação do valor do auxílio financeiro para as famílias, que passaria de R$ 2,2 mil para aproximadamente R$ 3,6 mil – o equivalente a cerca de seis meses de aluguel no valor de R$ 600, valor considerado insuficiente diante da realidade do mercado imobiliário, e mesmo assim, com alcance de apenas 135 famílias. De acordo com a Defensoria Pública do Estado (DPES), mais de 800 famílias viviam nas ocupações Vila Esperança e Vale da Conquista, localizada ao lado e também alvo da desocupação, desde 2017.

Das famílias aptas a receber o auxílio, quase metade (65 famílias, ou 48,1%) vive com renda de até R$ 105 por mês, configurando situação de extrema pobreza. Outras 14 famílias (10,3%) têm renda entre R$ 105,01 e R$ 210, enquanto 28 famílias (20,7%) sobrevivem com valores entre R$ 210,01 e meio salário mínimo (R$ 759,00). Mais 25 famílias (18,5%) possuem renda superior a meio salário mínimo. Além disso, em três casos (2,2%), a inclusão se deu por outros critérios sociais, como recebimento de Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou ausência de imóvel próprio.

A percepção da comunidade é de que tanto o governador Renato Casagrande (PSB) quanto o prefeito de Vila Velha, Arnaldinho Borgo (Podemos), mantêm uma posição alinhada contra a desapropriação de áreas que poderiam servir como alternativa habitacional. Baiana afirma que a empresa Alphaville estaria diretamente ligada às pressões pela retirada das famílias da área.

Apesar do desgaste, as famílias afirmam que não desistirão “de lutar pelo direito de existir com dignidade”. A liderança resume o sentimento da comunidade: “Estamos muito cansados, mas vamos continuar. Só estamos dando um tempinho, uma respiração, porque não vai ficar impune o que está acontecendo. Essa luta é pelo futuro das nossas crianças”, pontua.

Vila Esperança surgiu em 2016, durante a gestão de Rodney Miranda (Republicanos), em um terreno abandonado. Em 2020, um decreto assinado pelo então prefeito Max Filho (PSDB) declarou a região de interesse social para habitação popular, o que alimentou a expectativa de regularização. O decreto, no entanto, foi revogado em 2022 pelo prefeito Arnaldinho (sem partido), abrindo caminho para a reintegração de posse.

Mais Lidas