Terça, 07 Mai 2024

Antes de propor aumento de internação, Estado deveria garantir a aplicação do ECA

A discussão em torno da redução da maioridade penal ou do aumento no tempo de internação de adolescentes que cometem atos infracionais esbarra em questionamentos acerca da responsabilização do Estado na não aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da preferência pela defesa da mudança da legislação. 
 
O Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) divulgou nota pública nesta quarta-feira (13) repudiando as declarações aos meios de comunicação do delegado titular da Delegacia do Adolescente em Conflito com a Lei (Deacle), Welligton Lugão e do secretário de Estado de Segurança Pública (Sesp), André Garcia. Nas declarações dos dois operadores de segurança pública a impunidade é apontada como sendo a principal razão do aumento da participação de adolescentes na prática de crimes graves, bem como da ineficácia da atividade policial de repressão da violência.
  
O CEDH sustenta que tais declarações reforçam estereótipos que criminalizam os adolescentes, em detrimento de uma reflexão mais ampla sobre as reais causas que levam alguns ao cometimento de atos infracionais.
 
A entidade salienta que não é admissível que “dois importantes atores da Política Estadual de Segurança Pública, que possuem o dever constitucional de zelar intransigentemente pela garantia dos direitos humanos de nossas crianças e adolescentes, reproduzam publicamente um discurso punitivo que somente satisfaz uma sociedade vingativa que, a despeito de querer evitar o derramamento de sangue de suas vítimas, proclama e festeja o suplício como a solução milagrosa da crescente onda de violência e criminalidade”.
 
André Garcia disse, no programa Cidade Alerta Espírito Santo, da TV Vitória, nessa quarta-feira (12), que apesar de ser contrário à redução da maioridade penal, é favorável ao aumento no tempo de internação e que, em alguns casos, poderia variar de oito a 12 anos. Antes de atacar a legislação, salientando que se trata de norma ultrapassada, o Estado deveria se questionar sobre a aplicação do Estatuto, já que a socioeducação do Estado foi entregue a pessoas que usurparam o patrimônio público e estavam presas até bem pouco tempo, como a ex-presidente do Instituto de Atendimento Socioeducativo (Iases), Silvana Gallina e o diretor da Associação Capixaba de Desenvolvimento e Inclusão Social (Acadis), Gerardo Mondragón. As unidades entregues para a gestão da Acadis permanecem sob intervenção. 
 
Ao apontar que a legislação é deficiente para responsabilizar os adolescentes, o Estado tenta se eximir de responsabilidade pela aplicação dela. O ECA estabelece a internação como último recurso, mas também que é dever do poder público dar a retaguarda para que o adolescente em conflito com a lei possa cumprir medida em meio aberto. Se o acompanhamento de medidas em meio aberto já é precário na Grande Vitória, no interior esse cumprimento se torna um desafio. 
 
A preocupação do Estado deveria ser em aplicar a socioeducação no período em que a legislação determina, não aumentar o tempo em que o adolescente permanece em unidades.
 
Ao propor que o tempo de internação de adolescentes seja estendido para até 12 anos, o secretário de Segurança demonstra que, para o Estado, é mais importante manter o interno por mais de uma década em unidades de internação – longe da sociedade – do que aplicar a legislação na forma como ela se apresenta, ou seja, pensar num projeto socioeducativo que seja realmente capaz de ressocializar esse jovem.
 
Violência 
 
Aumentar tempo de internação de adolescentes se mostra ainda mais ineficaz quando o Estado enfrenta uma epidemia de violência. Há mais de uma década o Espírito Santo é o segundo com maior taxa de homicídios dentre todos os estados do País e primeiro em homicídios de mulheres. 
 
A redução circunstancial do número de homicídios através dos anos mostra que a política de combate à violência não mostra resultados palpáveis. Além disso, as decisões do Estado não passam por consulta ou participação popular, sendo tomadas em gabinetes e privilegiam, na maioria dos casos, o investimento em repressão e não em um conjunto de ações que também envolvam a promoção de políticas públicas nas áreas de saúde, educação, esportes lazer e cultura, adequadas a cada região do Estado. 
 
A violência atinge – seja como autores ou vítimas – toda a população capixaba, independente de idade, já que, em uma realidade de epidemia, quando não há contenção, a tendência é a propagação e ampliação do contágio. 

Veja mais notícias sobre Direitos.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Quarta, 08 Mai 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/