Quarta, 17 Abril 2024

As crianças como sujeitos de direitos

camila_valadao_ryan_assessoria Divulgação

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2018, já indicavam que o Brasil possuía 35,5 milhões de pessoas com até 12 anos de idade. Apesar desse universo de brasileirinhos, o reconhecimento das crianças como sujeito de direitos e a criação de espaços onde elas de fato fossem ouvidas só foi possível após longos processos de luta pelo direito à infância, como aponta Maria Emilia Passamani, coordenadora do Núcleo de Estudos da Criança e Adolescente da Universidade Federal do Espírito Santo (Neca-Ufes).

"Os direitos da infância e adolescência ao longo da história passaram por vários processos de mudanças. O reconhecimento dessa população como sujeitos de direitos, pessoas em processo de desenvolvimento em todos os níveis, que devem ser protegidas pela família, pela sociedade e pelo Estado, se deu a partir de lutas de vários atores pela regulamentação de leis internacionais e nacionais, tais como a Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente da ONU (1989), a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990)", explica Maria Emília.

O cenário, entretanto, nem sempre foi assim. Segundo a pesquisadora, antes desses avanços, crianças e adolescentes, especialmente as de famílias pobres, eram meros "objetos de intervenção estatal". "O ECA estabeleceu, entre os direitos fundamentais, que crianças e adolescentes têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas, que, entre outros aspectos, garantem direito de opinião e expressão, participar da vida política, brincar, praticar esporte, e etc".

Um projeto da vereadora de Vitória, Camila Valadão (Psol), tenta recuperar esse protagonismo da infância em Vitória. Por meio da iniciativa "Fogo no parquinho: infâncias no debate público", ela desenvolve o "Comitê das Crianças" nas comunidades, espaço onde os pequenos podem expor suas necessidades e ideias para uma cidade melhor. "A proposta é trazer as crianças para o centro da política. É realmente escutá-las, porque afinal, elas têm muito o que dizer sobre seus direitos, seus desejos e sonhos", diz Valadão

Essa é uma das prerrogativas da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1989, e em vigor desde 1990. O tratado, que orienta a proteção de crianças em todo o mundo, defende o direito da criança expressar as próprias opiniões e, mais do que isso, afirma que essas opiniões devem ser consideradas em todas as decisões que as afetam.

"Para tanto, a criança deve ter a oportunidade de ser ouvida em todos os processos judiciais ou administrativos que a afetem, seja diretamente, seja por intermédio de um representante ou de um órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais da legislação nacional", diz o documento no artigo 12.

Outro ponto destacado na convenção é o reconhecimento do direito da criança à liberdade de pensamento, de consciência e de crença religiosa. "Os Estados Partes devem assegurar à criança que é capaz de formular seus próprios pontos de vista o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados a ela, e tais opiniões devem ser consideradas, em função da idade e da maturidade da criança", destaca o tratado.

O principal marco da convenção é o reconhecimento da criança como um sujeito de direitos, assim como os adultos, rompendo com o contexto de invisibilização das garantias na infância, como informa um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

"Nos países industrializados do início do século XX, não havia padrões de proteção para as crianças. Era comum elas trabalharem ao lado de adultos em condições insalubres e inseguras. O crescente reconhecimento das injustiças de sua situação, impulsionado por uma maior compreensão das necessidades de desenvolvimento das crianças, levou a um movimento para melhor protegê-las", informa o documento.

Escuta atenta em Vitória

O primeiro Comitê das Crianças aconteceu no último sábado (16), com crianças que moram no Romão, em Vitória. Um dos problemas apontados nesse primeiro encontro foi a falta de espaços recreativos no bairro, o que faz com que os pequenos moradores recorram às escadarias da comunidade e a um terreno abandonado para se divertirem. Enquanto isso, o parquinho da região está sucateado, aponta a vereadora.

"O comitê que aconteceu no Romão foi nossa primeira experiência em levar a campanha aos territórios e ver de perto como estão os espaços para as crianças nesses lugares. O resultado que tiramos dessa movimentação é que nós, políticos, nós, os adultos, precisamos ouvir mais o que meninos e meninas têm a dizer sobre a cidade que querem viver", pontuou.

A ideia é que mais encontros como esse aconteçam em outras localidades de Vitória. Após os comitês, que serão realizados até o final de outubro, os temas levantados pelas crianças poderão dar origem a projetos de lei, indicações e moções na Câmara de Vitória.

Para a coordenadora do Neca, Maria Emília Passamani, reconhecer as várias realidades vivenciadas pelas crianças, criar e oportunizar espaços de participação onde elas possam se expressar em um ambiente de liberdade e dignidade, é fundamental. "É importante também considerar os contextos familiares, sociais e culturais em que ela está inserida a partir de um ambiente seguro e de confiança, no qual possa recorrer quando precisar, por exemplo em situações de violência doméstica", destaca.

Ela prossegue: "Favorecer a escuta de crianças e adolescentes possibilita o seu protagonismo e cria condições para que ela se expresse espontaneamente em seu ambiente. Dessa forma, crianças e adolescentes exercitam valores tão indispensáveis à convivência democrática, aprendendo o respeito às diferenças, à tolerância e a viver em comunidade", conclui.

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