Movimentos sociais pressionam reitor Eustáquio de Castro a votar resolução até sexta-feira

Movimentos sociais, coletivos estudantis e entidades ligadas à pauta LGBTQIA+ convocam um ato para esta terça-feira (4), às 14h, em frente à Reitoria da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), no campus de Goiabeiras, em Vitória. A mobilização busca pressionar a gestão universitária, liderada por Eustáquio de Castro e a vice-reitora, Sônia Lopes, a colocar em votação no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), a resolução que institui cotas para pessoas trans na graduação da instituição.
A preocupação é que a proposta não entre na pauta da reunião do colegiado desta sexta-feira (7), o que impediria a inclusão das novas vagas no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) 2026. “Se não for aprovada agora, só poderá valer no próximo ciclo, o que significa mais um ano de espera”, destacam.
Nos últimos dias, entidades como o Conselho Estadual LGBT, a Associação Nacional de Travestis e transexuais (Antra) e a Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos (ReBEDH-ES) enviaram ofícios à Reitoria pedindo urgência na tramitação. O Diretório Central dos Estudantes (DCE) também reforçou a cobrança. Representantes do movimento consideram que não há impedimento técnico nem orçamentário para implementação da política e cobram que a Reitoria se alinhe ao compromisso da universidade com os direitos humanos.
A proposta foi elaborada por um Grupo de Trabalho (GT) instituído pela Reitoria por meio da Portaria nº 846/2025 e entregue à Administração Central no último dia 16 de outubro. Junto com a minuta, um relatório técnico, coordenado pela Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidade (Saad), recomenda a aprovação imediata da política, considerada “um avanço essencial na direção da reparação histórica e do fortalecimento de práticas institucionais comprometidas com a justiça social”.
“A implementação de uma política afirmativa voltada ao acesso de pessoas trans aos cursos de graduação representa um passo fundamental na consolidação de uma universidade pública, democrática e inclusiva, que reconhece a educação como instrumento de transformação social e garantia de cidadania”, afirma o relatório.
A proposta de resolução estabelece a reserva de 2% das vagas de cada curso da Ufes, com a garantia mínima de uma vaga por curso. As vagas seriam ofertadas via Sisu ou, no caso dos cursos de ensino a distância, por editais próprios. O texto define que “as vagas específicas não serão contabilizadas dentro das vagas da Lei de Cotas” e que as não ocupadas serão revertidas à ampla concorrência.
“Trata-se de uma política que, embora não dê conta da complexa e persistente realidade de exclusão e desigualdade vivenciada pela população trans, constitui um avanço essencial na direção da reparação histórica”, destacam os integrantes do GT, composto por representantes da Administração Central, do DCE do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat-ES), de grupos de pesquisa e da única docente trans da universidade, a professora Jeffa Santana, do Departamento de Línguas e Letras.
Segundo o documento, “a baixa presença de pessoas trans nas universidades públicas brasileiras encobre um histórico de exclusão e violações de direitos”. Os autores citam dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que apontam que pessoas trans representavam apenas 0,3% dos estudantes de graduação nas universidades federais, de acordo com pesquisa da Andifes de 2018, e menos de 0,6% na Ufes, conforme o Censo Estudantil de 2022/2.
Entre junho e outubro, o grupo realizou 12 reuniões de trabalho, além de consultas a universidades federais que já adotam políticas semelhantes, como Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal de Goiás (UFG) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e diálogo com a presidente da Antra, Bruna Benevides, sobre os efeitos das cotas trans em outras instituições.
O relatório cita pareceres da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF), que reconhece a constitucionalidade das ações afirmativas para pessoas trans, e decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que garante o direito à identidade de gênero. A minuta ainda fundamenta a proposta no Plano de Desenvolvimento Institucional da Ufes (2021–2030), que coloca as ações afirmativas como “um dos sete desafios estratégicos da década”.
Desde a entrega do relatório, o processo segue sem encaminhamento formal da Reitoria para as instâncias internas. Pessoas que acompanharam o grupo de trabalho ressaltam que o documento não foi enviado à Secretaria de Ensino de Graduação (Seg), passo necessário para a relatoria e posterior votação no Cepe.
A criação do GT ocorreu após meses de cobrança por parte de estudantes e movimentos sociais, que denunciam o atraso da Reitoria em dar encaminhamento à pauta. A promessa de instituir o Grupo de Trabalho foi feita em dezembro de 2024, em reunião com representantes da Prograd, do DCE, do projeto de extensão Trans Encruzilhadas e da comunidade acadêmica.

Em maio deste ano, entidades ligadas à luta LGBTQIA+ alertaram sobre a urgência da implementação da política, criticando o distanciamento da Ufes da realidade de exclusão enfrentada por travestis, transexuais e pessoas não binárias. A nota técnica da associação sobre a política afirmativa, utilizada como referência pelo GT, alerta para “um processo de expulsão silenciosa” da população transgênero nas instituições de ensino. Entre as recomendações, estão a criação de comissões de acompanhamento (e não de verificação de identidade), formação continuada de servidores e campanhas institucionais de divulgação.
Para a presidente do Fórum LGBTQIA+ da Serra, Layza Lima, que acompanha o debate desde 2024, as cotas são uma “reparação necessária”, diante da exclusão histórica e estrutural enfrentada pelas pessoas trans e travestis. “A educação precisa afirmar a vida das pessoas trans. A Ufes não pode retroceder”, enfatiza.

