Decisão acatou recomendação do Ministério Público do Estado

A Câmara de Guarapari aprovou, nessa terça-feira (2), por 12 votos a 2, a revogação da Lei nº 5.036/2025, que proibia a abordagem de gênero e orientação sexual nas escolas públicas e privadas do município. A decisão representa uma vitória para o movimento LGBTQIA+ local, que desde a promulgação da norma, vinha denunciando sua inconstitucionalidade e mobilizando aliados dentro e fora do parlamento.
O texto de revogação, protocolado pela Comissão de Justiça e Redação, atende a uma recomendação do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), que considerou a lei ilegal por tratar de matéria cuja competência legislativa é exclusiva da União. A medida também segue entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal (STF), que já havia declarado inconstitucionais normas semelhantes aprovadas em outras cidades e estados do país.
A Lei nº 5.036/2025 foi promulgada em janeiro deste ano. De autoria do vereador Luciano Costa (PP), o projeto tramitou em dezembro de 2024 sem debates e recebeu aprovação unânime dos vereadores. Como o então prefeito, Edson Magalhães (PSDB), não se manifestou dentro do prazo legal, a presidente da Câmara, Sabrina Astori (PSB), efetivou a sanção tática da medida.
O texto proibia a chamada “doutrinação de gênero” nas escolas e vetava qualquer discussão sobre identidade de gênero e orientação sexual no ambiente escolar. Para entidades de direitos humanos, a lei buscava institucionalizar a censura e reforçar práticas de exclusão.
A Associação Diversidade, Resistência e Cultura (ADRC), que reúne militantes LGBTI+ de Guarapari, reagiu imediatamente após a sanção e levou o caso ao Ministério Público e à Defensoria Pública, argumentando que a norma feria direitos constitucionais e colocava crianças e adolescentes em situação de maior vulnerabilidade.
O procurador-geral de Justiça assumiu o caso e acionou o Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição (Nupa) para intermediar a solução. Nas últimas semanas, reuniões entre o MPES e representantes da Câmara resultaram no acordo para colocar em pauta a revogação.
Na leitura do projeto de revogação da norma, a Comissão de Justiça e Redação se manifestou favorável à retirada da lei. O vereador Vinícius Lino (PL), autor de outro projeto considerado discriminatório – que pretende proibir a participação de crianças e adolescentes em Paradas do Orgulho LGBTQIAPN+ – pediu destaque para votação nominal.
Apesar da tentativa de individualizar os votos, o plenário aprovou a revogação com ampla maioria. Parte dos parlamentares ressaltou que a decisão obedecia a uma orientação direta do Ministério Público, que considerou a lei de 2025 “totalmente inconstitucional”.
Para a presidenta da ADRC, Venus Pereira, o resultado simboliza resistência diante de uma Câmara que frequentemente se mostra hostil à pauta LGBTQIA+. “A mesma disposição que a Câmara tem em não legislar para a nossa comunidade, nós temos em não recuar. Seguiremos firmes, incomodando cada vez mais, até que nossos direitos sejam respeitados e que a Constituição seja cumprida”, afirmou. Em nota, a associação reforçou o tom de mobilização: “Hoje celebramos. Mostramos que pressão, alianças estratégicas e luta coletiva derrubam muros de preconceito e abrem espaço para um futuro mais justo”.

“Ainda temos muito a conquistar. O Legislativo municipal segue resistente em legislar para a população LGBTI+”, prossegue a entidade, enfatizando que continuará mobilizada contra o Projeto de Lei nº 017/2025, que busca impedir a participação de crianças e adolescentes em Paradas do Orgulho.
A presidenta da associação considera que as leis anti-gênero que tem sido propostas na Casa demonstram “um retrocesso preocupante, que reflete não só disputas políticas, mas também uma tentativa de silenciar e restringir direitos já conquistados pela nossa comunidade”. Ela aponta o histórico de mobilização social e a atuação de entidades e parlamentares comprometidos com os direitos humanos para garantir a revogação da norma. “Acredito que nossa resistência e organização coletiva são fundamentais para barrar retrocessos e garantir avanços”, reitera.
Lei estadual
Em julho deste ano, o presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos (União), promulgou a Lei nº 12.479/2025, que permite veto ao ensino de gênero em escolas do Estado, após o governador Renato Casagrande (PSB) se omitir e perder o prazo para sanção ou veto. A proposta é originária do Projeto de Lei 482/2023, de autoria do deputado Alcântaro Filho (Republicanos) – e foi aprovada em plenário no mês anterior. O autor da norma sustenta que atividades pedagógicas sobre identidade de gênero e orientação sexual teriam caráter “doutrinário” e poderiam “moldar valores e visões de mundo” das crianças, o que justificaria o direito dos pais de vetar o conteúdo.
Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Aliança Nacional LGBTI+, Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH) e pelo Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans) contesta a medida no Supremo Tribunal Federal (STF). Em resposta à ministra Cármen Lúcia, relatora do projeto, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) enviou manifestação reconhecendo que a norma é inconstitucional.
No Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), foram protocoladas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e Partido dos Trabalhadores (PT), que pedem a suspensão da norma. Já no Tribunal de Contas do Estado (TCES), tramita uma representação do Ministério Público (MPC-ES), que pede a suspensão da aplicação da lei e solicita que o governo estadual e as prefeituras capixabas se abstenham de regulamentá-la ou tomar qualquer medida com base na nova norma.
Além de violar a liberdade de cátedra, a gestão democrática, a liberdade de expressão e os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, o órgão aponta que ela interfere no uso de recursos da educação sem previsão orçamentária e usurpa competência exclusiva da União para legislar sobre diretrizes da educação nacional, configurando outro vício de inconstitucionalidade.