Lúcia Martins reconhece avanços, mas adesão de municípios segue como desafio
O primeiro serviço público de reabilitação para pessoas com deficiência (PCDs) da Grande Vitória será inaugurado em Cariacica, no bairro Santa Fé, nos próximos dias. O Serviço Especializado em Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Serdia) funcionará na Associação de Pais e Amigos de Pessoas com Síndrome de Down, e atende a uma demanda antiga de famílias e movimentos que atuam na área.
Segundo a coordenadora do coletivo Mães Eficientes Somos Nós, Lúcia Martins, o modelo do Serdia prevê atendimento multiprofissional e em todas as idades, não apenas para o público infantil, com ações de reabilitação física, cognitiva e social. “É um serviço que vai fazer diferença na vida das pessoas, porque atende desde crianças até idosos. É pensado para garantir autonomia e inclusão, e não apenas terapias isoladas”, ressalta.
A iniciativa, instituída pela Secretaria de Estado de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades), prevê o repasse de recursos estaduais para estruturar serviços de referência e ampliar o atendimento a pessoas com deficiência. O serviço é oferecido em 27 municípios, como Linhares, no norte do Estado, e Alegre, na região sul; e agora, além de Cariacica e São Mateus e Aracruz – ambas cidades também do norte – iniciaram o processo de implantação.
De acordo com dados apresentados durante reunião técnica realizada nesta semana sobre a política estadual para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), pouco mais de 40% dos municípios capixabas aderiram ao cofinanciamento do Serdia. O Espírito Santo já possui mais de 20 mil pessoas com deficiência cadastradas nos Centros de Referência da Assistência Social (Cras) e nos Centros de Referência Especializados (Creas), como informa a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa).
A principal preocupação, alerta Lúcia, é justamente em relação à adesão, já que a divisão dos recursos ainda é considerada alta para os municípios – a Setades arca com 60% dos recursos e as prefeituras com 40%. “O resultado é que várias cidades continuam sem oferecer o serviço, e as famílias seguem desassistidas, precisando viajar longas distâncias para conseguir um atendimento”, apontou.
A falta de estrutura local e de profissionais também é um entrave. A implantação do Serdia exige equipe técnica com fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos, pedagogos e assistentes sociais, o que encarece a manutenção. “O município precisa arcar com a estrutura física e com parte da equipe, e isso tem travado a adesão. Mas o Estado anunciou que vai abrir processo seletivo para contratar profissionais que possam atuar dentro do Serdia, ajudando as cidades”, contou.
Outro ponto de tensão entre o coletivo e o governo é o modelo de gestão do serviço. Para as famílias, é fundamental que o Serdia funcione dentro de equipamentos públicos municipais, e não em instituições privadas ou conveniadas. “O nosso posicionamento é muito claro: queremos que o serviço seja público. Quando ele é instalado em instituições, o acesso fica restrito. No espaço público, a gente garante mais transparência, vagas e controle social. As instituições fazem um trabalho importante, mas muitas já não dão conta da demanda”, argumenta.
No Espírito Santo, há três modalidades de Serdia (tipos 1, 2 e 3), com valores de repasse que variam de acordo com o porte populacional do município e a complexidade do atendimento. Cidades maiores, como Serra e Vila Velha, podem ter mais de um centro, enquanto localidades pequenas recebem unidades de menor estrutura. “A intenção do governo é colocar o Serdia em todos os municípios do Estado, respeitando o tamanho da população. A Serra, por exemplo, pode chegar a ter cinco unidades. Mas ainda precisamos resolver o problema do financiamento”, reforça.
“Os municípios do interior que já implantaram o serviço têm mostrado bons resultados. A diferença é visível na vida das pessoas. Mas na Grande Vitória, onde há uma demanda enorme, só agora teremos a primeira unidade. Isso mostra que o planejamento precisa alcançar também as regiões metropolitanas”, pontua.
O coletivo defende ainda que o controle social e a participação popular sejam incorporados à gestão dos Serdias, com conselhos municipais de acompanhamento e transparência nas contratações. “A política pública precisa ser construída com quem vive a realidade. Sem escuta, o sistema não funciona”, acrescenta.
Lúcia Martins destaca que a conquista do serviço em Cariacica é resultado da mobilização de familiares e movimentos sociais. “O Serdia é um serviço que a gente vem discutindo há muitos anos. Ele nasceu na mesa com a gente, das demandas das famílias”, enfatiza.
Ela também exalta o recente anúncio da implantação de um Centro Especializado em Neurodivergência Infantil na Serra para atender a demanda das famílias que precisam se deslocar até o bairro Alecrim, em Vila Velha, onde está localizado o único centro público especializado no Espírito Santo, que tem operado acima da capacidade e já não consegue atender a todos os pacientes que procuram o serviço.
O movimento Mães Eficientes Somos Nós aguarda ainda a criação de outros equipamentos públicos voltados à neurodivergência, como o Centro Especializado em Neurodivergência Infantil, que funcionará no Ambulatório Municipal de Especialidades (Ames), também na Serra, e atenderá a crianças com Transtorno do Espectro Autista e outras deficiências intelectuais. “Essa também era uma reivindicação antiga nossa. O prefeito [Weverson Meireles, do PDT] anunciou que o centro será público e municipal, o que para nós é essencial. Agora falta a implantação efetiva”, afirmou Lúcia.