Novas instâncias para julgamento ambiental são aprovadas sob críticas na Assembleia
A Assembleia Legislativa aprovou, nesta segunda-feira (7), o Projeto de Lei Complementar nº 14/2025, enviado pelo governador do Estado por meio da Mensagem nº 155/2025. A proposta, que cria dois órgãos colegiados responsáveis por julgar infrações ambientais administrativas no Espírito Santo, no âmbito do Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema) e do Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Sigerh), foi votada em regime de urgência.
As deputadas Iriny Lopes (PT) e Camila Valadão (Psol) questionaram a tramitação sem debates, diante do impacto representado pelas mudanças, e consideram que a nova estrutura dá continuidade ao processo de esvaziamento das políticas públicas de proteção ambiental no Estado, além de reduzir a participação da sociedade civil nos processos decisórios. Além das duas parlamentares, também votaram contra a proposta os deputados Lucas Polese (PL) e Pablo Muribeca (Republicanos).
Os projeto foi aprovado com 22 votos favoráveis: Adilson Espíndula (PSD), Alcântaro Filho (Republicanos), Alexandre Xambinho (Podemos), Allan Ferreira (Podemos), Bispo Alves (RepublicanosP), Callegari (PL), Capitão Assumção (PL), Coronel Weliton (PRD), Dary Pagung (PSB), Danilo Bahiense (PL), José Esmeraldo (PDT), Fábio Duarte (Rede), Gandini (PSD), Hudson Leal (Republicanos), Janete de Sá (PSB), João Coser (PT), Marcos Madureira (PL), Mazinho dos Anjos (PSDB), Sérgio Meneguelli (Republicanos), Toninho da Emater (PSB), Vandinho Leite (PSDB) e Zé Preto (PP). O presidente da Casa, Marcelo Santos (União) se absteve, e os deputados Denninho Silva (União) e Bruno Resende (União) não participaram da votação.

A matéria institui duas novas instâncias para o julgamento de infrações. A Comissão Julgadora de Defesa Prévia de Infrações ao Meio Ambiente (Cojima) atuará em primeira instância e será composta exclusivamente por membros do poder público — incluindo o secretário de Estado de Meio Ambiente, Felipe Rigoni (presidente da junta), e representantes da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), Polícia Militar Ambiental (PMA) e Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf).
A Junta Administrativa de Recursos de Infrações ao Meio Ambiente (Jari Ambiental) atuará em segunda instância, com composição mista, com representantes do poder público, setor produtivo e sociedade civil: dois indicados por entidades empresariais que integram o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), um indicado pelo Conselho de Recursos Hídricos, dois indicados por entidades da sociedade civil do Consema e um do Conselho de Recursos Hídricos.
Durante a discussão, Iriny Lopes destacou a gravidade da matéria. “Talvez o adequado não seja a obrigatoriedade de os membros virem do Consema. Precisávamos ter conversado mais sobre isso. A comissão proposta é importante demais para ser votada a toque de caixa. Vivemos uma crise hídrica, problemas com inundações e má qualidade do ar. Não se trata apenas de burocracia, mas de como proteger de fato o meio ambiente”, afirmou.

Camila Valadão, por sua vez, denunciou o processo de desmonte do Iema. Segundo ela, o órgão enfrenta sucateamento estrutural, com falta de servidores, baixa remuneração e materiais inadequados para o trabalho técnico. “O Iema está em permanente estado de mobilização por melhorias e declarou estado de greve desde maio. O projeto retira a possibilidade de fiscalização de danos indiretos, que hoje é uma atribuição do Iema. Além disso, a composição da Jari, prevista no artigo 7º, fragiliza o controle social e merecia ser mais debatida”, argumentou.
Retrocessos ambientais
O projeto, que segue para sanção do governador, altera a forma como serão julgadas as infrações ambientais no Espírito Santo. Parlamentares contrários à proposta alertam que representa mais um retrocesso na proteção ambiental no Estado. O enfraquecimento dos mecanismos de controle ambiental teve como marco anterior a aprovação da Lei Complementar nº 1.073/2023 — apelidada de “Lei da Destruição” — que alterou drasticamente o licenciamento ambiental capixaba.
Em junho deste ano, Iriny apresentou um Projeto de Lei Complementar (PLC 4/2025) que propõe a revogação de trechos da legislação, que também foi aprovada em regime de urgência em dezembro de 2023, apesar da oposição de mais de 70 entidades da sociedade civil, movimentos sociais, lideranças políticas e organizações ambientalistas.
Entre os principais pontos de crítica está a flexibilização dos procedimentos de licenciamento e a redução da participação popular nos processos decisórios, além de uma maior influência do setor empresarial sobre o meio ambiente. A proposta foi colocada em votação poucos dias após uma reunião entre o presidente da Assembleia, Marcelo Santos (União), e cerca de 30 representantes de entidades industriais e empresariais, entre eles a Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), cooperativas e a ONG ES em Ação, que pressionaram pela inclusão da matéria na pauta. Segundo o relator da proposta, deputado Mazinho dos Anjos (PSDB), o projeto vinha sendo construído junto ao governo do Estado há dois anos — mas os servidores do Iema afirmam que não foram consultados e que foram pegos de surpresa com a tramitação acelerada.

O secretário de Meio Ambiente, Felipe Rigoni (União), foi apontado pelo Sindicato dos Servidores e Trabalhadores Públicos Ativos e Aposentados do Estado do Espírito Santo (Sindipúblicos) como um dos maiores defensores do novo licenciamento ambiental e responsável por interditar o diálogo com o corpo técnico do Iema durante a elaboração da nova legislação. Segundo o sindicato, Rigoni chegou a desmarcar duas reuniões com os servidores para discutir o tema. “Ao invés de dialogar com os profissionais da área, o secretário preferiu escutar o empresariado, garantindo o lucro das empresas e ignorando quem de fato cuida, protege, fiscaliza e atua pelo meio ambiente no Espírito Santo”, protestou.