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Comunidade contesta plano de desocupação homologado pela Justiça

Empresa Alphaville estaria ligada às pressões pela retirada das famílias, aponta Baiana

Diante da decisão da Justiça que restabeleceu a ordem de desocupação da comunidade Vila Esperança em Jabaeté, Vila Velha, as famílias denunciam que o plano de desocupação homologado pelo juiz Manoel Cruz Doval, da 6ª Vara Cível, não garante alternativas dignas de moradia. A decisão é criticada por moradores e movimentos sociais, que apontam o caráter unilateral da medida, que pode deixar mais de 3,6 mil pessoas desamparadas para atender a pressões do empresariado. A saída tem prazo de 20 dias, e está autorizou o uso de força policial, arrombamentos e demolições, caso necessário.

A presidente da ocupação, Adriana Paranhos, conhecida como Baiana, relata que a empresa Alphaville estaria diretamente ligada às pressões pela retirada das famílias. “A Alphaville está comprando tudo aqui na região, todas as terras ambientais e áreas próximas. É uma das empresas citadas no processo interessadas na desocupação da comunidade”, aponta. Ela afirma que empresários e proprietários privados têm feito negociações para liberar a área, visando futuros empreendimentos imobiliários de luxo.

Leonardo Sá

Para ela, o plano homologado pela Justiça, apresentado pela gestão de Arnaldinho Borgo (sem partido), é insuficiente e baseado em dados defasados, o que também foi apontado em manifestações da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) ao longo do processo. “O cadastro usado pela prefeitura é de quase cinco anos atrás. Muita gente ficou de fora, famílias que chegaram depois não foram incluídas. Esse levantamento não corresponde à realidade da comunidade hoje”, afirma Adriana.

O número de famílias contempladas com o auxílio extraordinário de R$ 2,2 mil, em parcela única, é muito inferior ao total de moradores, acrescenta. “Eles falam em 135 famílias, depois reduziram para 100. Mas a comunidade é muito maior do que isso. O valor aprovado não alcança a quantidade de pessoas que realmente vivem aqui”, reforça.

A moradora Carol Rocha também destaca o sofrimento provocado pela decisão entre a comunidade. Ela destaca ainda que o plano de ação não atende ao que foi determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ato de suspensão da reintegração em abril deste ano e exigiu garantias de alternativas habitacionais. “É basicamente o mesmo plano anterior, que só fala como vai ser o despejo. Não resolve o problema da moradia. Para muitas famílias, não há nenhuma solução apresentada. Isso desrespeita a decisão do STF, que deixou claro que era preciso resolver essa situação antes de qualquer despejo”.

A liminar, concedida pelo ministro Dias Toffoli, atendeu a uma reclamação constitucional ajuizada pela Defensoria Pública do Estado, que afirma que o município de Vila Velha e o Estado não apresentaram qualquer encaminhamento habitacional ou assistencial às famílias atingidas. O pedido apontou ainda violações de direitos fundamentais e desrespeito à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que estabelece parâmetros para ações de despejo durante e após a pandemia da Covid-19.

Diante da falta de soluções locais, moradores depositam esperanças em uma possível atuação do governo federal. “Nós esperamos que dessa vez saia uma medida administrativa, uma desapropriação da área, para garantir que as famílias tenham onde viver”, afirma Baiana.

Carol compartilha da mesma expectativa, mas ressalta a incerteza. “O governo estadual até agora não se posicionou. O que resta para nós é torcer para que haja algum movimento federal. No momento, só temos especulações e o desejo de permanecer no território”, relata.

Enquanto a data do despejo se aproxima, a comunidade mobiliza mais um ato contra a remoção. Para os moradores, a luta é também contra a invisibilidade social e o avanço de interesses privados sobre áreas destinadas à moradia popular.

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A ocupação Vila Esperança surgiu como resposta à falta de acesso à moradia digna na região durante a gestão do então prefeito Rodney Miranda (Republicanos), em um terreno abandonado que, com o tempo, foi sendo transformado em um território vivo, produtivo e solidário. Os moradores construíram suas casas com recursos próprios, acreditando no decreto do ex-prefeito Max Filho (PSDB), de 2020, que declarou a área como de interesse social e possibilitou a desapropriação do terreno para fins habitacionais.

No entanto, em 2022, o prefeito Arnaldinho Borgo revogou o decreto, cedendo às pressões do setor privado. Desde então, as tentativas de diálogo com a Prefeitura de Vila Velha e o Governo do Estado não avançaram para encontrar uma solução que garantisse o direito à moradia e a permanência das famílias no território.

O plano

O plano pactuado prevê a concessão de auxílio extraordinário de uma parcela única de R$ 2,2 mil para famílias previamente identificadas em situação de vulnerabilidade. A prefeitura deverá oferecer ainda um apoio logístico para mudanças, transporte de pertences para cidades vizinhas e guarda em galpões por até 21 dias.

Segundo o despacho, o atendimento às famílias começará quatro dias antes da data final estipulada para a saída voluntária, com equipes das secretarias municipais de Mobilidade, Desenvolvimento Urbano e Assistência Social atuando no local.

Entre as 135 famílias consideradas aptas ao auxílio extraordinário, quase metade (65 famílias, ou 48,1%) vive com renda de até R$ 105 por mês, configurando situação de extrema pobreza. Outras 14 famílias (10,3%) têm renda entre R$ 105,01 e R$ 210, enquanto 28 famílias (20,7%) sobrevivem com valores entre R$ 210,01 e meio salário mínimo (R$ 759,00). Mais 25 famílias (18,5%) possuem renda superior a meio salário mínimo. Além disso, em três casos (2,2%), a inclusão se deu por outros critérios sociais, como recebimento de Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou ausência de imóvel próprio.

Segundo a Defensoria, mais de 800 famílias vivem nas ocupações Vila Esperança e Vale da Conquista, localizada ao lado e também alvo da desocupação, desde 2017. Relatórios oficiais apontam 870 imóveis no local, com cerca de 400 residências ocupadas.

A advogada Maria Elisa Koehler Quadros, representante da comunidade Vila Esperança, sustenta que a solução deveria incluir programas habitacionais permanentes e recursos federais, e não apenas repasse de valores. Entre as falha do plano, aponta que o número de famílias considerado pela prefeitura está defasado e não reflete a realidade de mais de 700 núcleos, e a exigência de Cadastro Único exclui moradores por falta de comprovante de residência. Ela critica ainda o auxílio financeiro proposto, considerado insuficiente, o prazo curto para atendimento das famílias, e a ausência de participação da comunidade no acordo.

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