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Comunidade Guarani bloqueia ES-010 contra Marco Temporal

Ato integra mobilização nacional voltada a julgamento no STF e projetos do Congresso

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Indígenas Guarani mantêm, desde domingo (14), o bloqueio da rodovia ES-010 na altura de Coqueiral de Aracruz, no norte do Estado, em protesto contra o Marco Temporal e o avanço de propostas consideradas anti-indígenas no Congresso Nacional. A mobilização integra uma articulação nacional convocada por organizações de todo o país, e tem como foco central o julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a constitucionalidade da tese que restringe e ameaça o direito à demarcação de terras indígenas.

Esta terça-feira (16) é considerada data decisiva pelas comunidades, uma vez que o STF julga, em plenário virtual, ações que questionam a validade do Marco Temporal. Até o momento, o placar registra três votos pela inconstitucionalidade da tese, proferidos pelos ministros Gilmar Mendes, relator do caso, Flávio Dino e Cristiano Zanin. A votação segue aberta até o fim do dia e ainda pode ser interrompida por eventual pedido de vista.

De acordo com lideranças Guarani, a liberação da rodovia depende diretamente do desfecho do julgamento. “Estamos esperando o resultado do STF”, afirma Marilda Tupixó, liderança da aldeia de Boa Esperança. A mobilização busca chamar a atenção da sociedade para as violações históricas e atuais sofridas pelos povos indígenas, explica Marilda.

A eventual consolidação da tese do Marco Temporal representa uma ameaça direta à sobrevivência dos povos indígenas, alerta a liderança. “Se essa tese passa, quer dizer que nós não temos direito a mais nada. É abrir a porteira da aldeia e deixar o ruralista entrar, explorar nosso solo, expulsar nossos parentes, matar. Tira toda a proteção dos povos indígenas”, critica.

A liderança também relembra o histórico de violência enfrentado pelos Guarani durante os processos de demarcação. “Foi muita morte, muitas pessoas machucadas, muitos guerreiros perdidos. Nosso povo era tratado como boi. As mulheres eram estupradas, era um verdadeiro massacre, como ainda é até hoje para os parentes que não têm terra demarcada”, relata.

Enquanto o Supremo analisa a constitucionalidade da Lei nº 14.701/2023, aprovada após a derrubada de vetos presidenciais, o Senado Federal aprovou, no último dia 10 de dezembro, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/2023, que insere na Constituição a tese do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas e agora segue para análise na Câmara dos Deputados. A mobilização indígena ocorre diante desse duplo embate institucional, em que o STF pode declarar a lei inconstitucional por violar os direitos originários assegurados pela Constituição de 1988, enquanto o Congresso tenta constitucionalizar a tese e dificultar sua derrubada pela Corte.

Para os povos indígenas, a PEC aprofunda a insegurança jurídica e abre os territórios tradicionais à exploração por grandes empreendimentos. Paulo Tupinikim, coordenador-geral da Articulação dos Povos Indígenas do Espírito Santo (Apoime), aponta um ataque frontal aos direitos indígenas. “A proposta abre os nossos territórios para grandes empreendimentos. Retira o uso exclusivo dos povos indígenas e dá direito à exploração econômica, além de retomar o Marco Temporal”, afirma.

Segundo Paulo, embora o STF já tenha formado maioria em 2023 contra a tese, o Congresso Nacional tenta reverter a decisão. “O Marco Temporal está sendo julgado novamente no Supremo e já há votos contrários a ele. Mas a minha preocupação é que, se essas propostas avançarem, nós podemos perder nossas terras e o direito de viver nelas”, disse.

Ele defende a ampliação da mobilização e a construção de estratégias coletivas de proteção territorial. “Precisamos nos unir, deixar de lado diferenças, e defender o que é mais precioso para nós: a nossa vida, o futuro das nossas crianças e o nosso território”, enfatiza.

O Marco Temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem ocupando ou em disputa judicial em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Organizações indígenas, especialistas e entidades de direitos humanos apontam que a tese ignora expulsões forçadas, remoções violentas e violações cometidas pelo próprio Estado ao longo do século XX, especialmente durante a ditadura militar.

No Espírito Santo, a aplicação do Marco Temporal coloca em risco terras indígenas demarcadas entre os anos de 1998, 2002 e 2008, no município de Aracruz, homologadas após décadas de conflitos envolvendo a então Aracruz Celulose, atual Suzano e ex-Fibria.

Histórico de luta

A resistência dos povos Tupinikim e Guarani no Espírito Santo é marcada por sucessivas autodemarcações de seus territórios tradicionais. A primeira ocorreu ainda nos anos 1970, em meio à expansão da monocultura do eucalipto e à instalação de grandes projetos industriais, como a Aracruz Celulose, sobre as terras indígenas.

Em 2005, diante da morosidade do Estado e da redução das áreas reconhecidas oficialmente, as comunidades decidiram lançar mão, pela terceira vez, da estratégia da autodemarcação. Centenas de indígenas participaram coletivamente do processo, que envolveu a reconstrução de aldeias como Olho D’Água e Córrego do Ouro. A resposta do Estado foi violenta: operações da Polícia Federal destruíram aldeias e deixaram indígenas feridos.

Apesar da repressão, a mobilização resultou, anos depois, na homologação das Terras Indígenas Caieiras Velha e Pau Brasil e Comboios, oficializada em 2011. Atualmente, o território indígena consolidado soma 18.027 hectares. Para as lideranças, o julgamento do Marco Temporal representa uma continuidade dessa luta histórica. “Enquanto estiver acontecendo esse julgamento, a gente vai continuar aqui. Se tiver pedido de vista e a votação parar, aí a pista é liberada. Mas a luta continua”, afirmou Marilda Tupixó.

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