Secretária de Direitos Humanos é acusada de “autoritarismo”, “desmonte” e “negligência”
Delegados da 4ª Conferência Estadual dos Direitos Humanos aprovaram quatro moções de repúdio à gestão de Nara Borgo à frente da Secretária de Direitos Humanos do Estado (SEDH). As manifestações apontam retrocesso, falta de diálogo e esvaziamento institucional da pasta, comandada pela secretária Nara Borgo (PSB).
Nara esteve presente apenas na abertura oficial do evento, realizado nesta semana em Domingos Martins, na região serrana, ao lado da presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), Galdene Conceição dos Santos, e de outros representantes do poder público. Participantes que falaram sob condição de anonimato, por temerem represálias, detalharam que o clima foi de constrangimento logo na abertura do evento, quando foi distribuída uma carta assinada e lida em plenário, denunciando atos da pasta.
“A conferência estava super esvaziada. Na abertura, entregaram uma carta para todas as pessoas”, contou um dos delegados. “Depois disso, a secretária não apareceu mais. Quem ficou foram dois assessores da SEDH e uma gerente, porque o cargo de subsecretário ainda não foi nomeado”, completou.

Os delegados afirmam que o documento é “um gesto de coerência e de respeito à história coletiva que construiu a política de direitos humanos no Espírito Santo”, e que não se trata de “um desabafo pessoal, mas de um ato político de defesa da verdade, do interesse público e do respeito institucional”.
O texto lido na abertura do encontro acusa a atual gestão da Secretaria de ausência total nas etapas municipais e regionais da conferência, o que teria “comprometido o papel do Estado na condução de um processo que deveria ser coletivo e democrático”. Também denuncia “a retirada de representantes no Conselho Estadual de Direitos Humanos, com o objetivo de desmobilizar e enfraquecer o órgão de articulação do colegiado máximo de direitos humanos”.
Entre os fatos destacados na carta, estão ainda o fechamento temporário de quatro Centros de Referência das Juventudes (CRJ), a não reinstalação do Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) e o atraso na implantação do Centro de Direitos Humanos LGBT, equipamento aguardado há anos por movimentos sociais.
O documento também descreve “um cenário de medo, perseguição e assédio moral”, e acusa a gestão de ter transformado a SEDH em “um ambiente de insegurança e paralisia”. Outra crítica aponta “o excesso de burocracia e tecnocracia, que fez com que a SEDH — um órgão que deveria ser porta de entrada e acolhimento para as populações vulnerabilizadas — se tornasse um espaço distante, frio e inacessível, onde o procedimento passou a valer mais do que a pessoa”.
Os signatários reforçam que não se trata de divergência ideológica, mas de defesa de princípios éticos e republicanos. “O que exige coerência e sentido público é garantir que a dignidade humana esteja acima de qualquer vaidade pessoal. Os direitos humanos não se sustentam no medo – se constroem na coragem e na verdade”, prosseguem.
Moções de repúdio
As críticas apresentadas na abertura do encontro se ampliaram durante os grupos de trabalho e culminaram na aprovação, em plenária final, de quatro moções. A Moção nº 1 expressa “repúdio à incompetência e ao distanciamento programático” da gestão da secretária Nara Borgo, afirmando que o órgão “tem a responsabilidade institucional de promover o fortalecimento das políticas de direitos humanos, mas verifica-se descontinuidade das ações e fragilização dos mecanismos participativos”.

O texto diz que “a secretária tem demonstrado negligência e distanciamento em relação à política pública estadual de direitos humanos” e que a condução atual “reflete uma postura autoritária, sem diálogo com a sociedade civil organizada”. Como resolução, os delegados decidiram “repudiar publicamente a conduta incompetente e distanciada da secretária em relação à política de direitos humanos do Espírito Santo”.
A Moção nº 2 denuncia o fechamento temporário dos Centros de Referência das Juventudes (CRJ) em Novo Horizonte, Castelo Branco, Linhares e Colatina. Os CRJs são definidos como “políticas públicas inovadoras que promovem acesso de adolescentes e jovens à formação, cultura, trabalho, cidadania e direitos humanos”. O texto considera o fechamento um “ato político da SEDH que representa o desmonte de políticas públicas voltadas à juventude capixaba”. Os delegados “repudiam publicamente o fechamento dos CRJs” e exigem “a imediata reabertura e retomada das atividades”, destacando que “a juventude do Espírito Santo não pode ser penalizada por decisões administrativas sem diálogo”.
Na Moção nº 6, criticam a “exoneração abrupta e desumana” do subsecretário Renan Lira Matos Cadias, ocorrida “sem diálogo prévio, transparência ou observância dos princípios da dignidade da pessoa humana”. O documento ressalta que o gestor “desempenhou papel fundamental na implementação e fortalecimento de políticas públicas de direitos humanos no Espírito Santo” e que sua saída “representa um retrocesso político e institucional”. O texto manifesta “solidariedade ao exonerado, reconhecendo sua contribuição para a consolidação de uma política estadual democrática e participativa”.
Por fim, a Moção nº 7 trata da não reinstalação do Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), desativado desde o início da atual gestão. O texto enfatiza que o programa é “instrumento essencial para garantir a vida, a integridade física e psicológica e a liberdade de atuação de pessoas que defendem direitos humanos no Espírito Santo”. Segundo o documento, “mesmo após o processo de seleção das entidades, a Secretaria de Estado de Direitos Humanos optou por não dar continuidade à execução, inviabilizando a reinstalação do programa e expondo pessoas defensoras de direitos humanos e comunidades a situações de risco”.
A 4ª Conferência Estadual dos Direitos Humanos teve como tema “Por um Sistema Nacional de Direitos Humanos: Consolidar a Democracia, Resistir aos Retrocessos e Avançar na Garantia de Direitos para Todas as Pessoas”. O evento foi coordenado pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), com apoio da SEDH, e reuniu representantes de movimentos sociais, entidades e órgãos públicos para discutir propostas que serão levadas à Conferência Nacional, marcada para dezembro, em Brasília. Apesar da pauta propositiva, a conferência acabou marcada pela crise de confiança entre a sociedade civil e a SEDH, como relatam os participantes. O esvaziamento da conferência, segundo os atores que assinam a carta, reflete “um afastamento do diálogo e a paralisação de políticas essenciais”.

