Quinta, 28 Março 2024

Deputado Jean Wyllys defende a laicidade do Estado

Deputado Jean Wyllys defende a laicidade do Estado

O III Congresso Nacional de Direito Homoafetivo, promovido pela seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), fechou sua programação, nessa sexta-feira (23), com palestras do magistrado Roberto Arriada Lorea, doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor na Escola Superior da Magistratura; e do deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ), que também é escritor, professor universitário na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Universidade Veiga de Almeida (UVA), ambas no Rio de Janeiro, além de colunista da revista Carta Capital. Em comum nas falas dos dois palestrantes, o Estado laico e a cidadania sexual. 



O deputado Jean Wyllys fez um resgate histórico das religiões judaico-cristãs, para mostrar como elas influenciam no debate político atual, sendo que o envolvimento de preceitos datados de três mil anos não se aplicam no Estado laico. Ele lembrou que os valores do helenismo e do judaico-cristianismo organizaram nossa cultura, apesar da secularização, haja vista a série de feriados que os trabalhadores gozam, mas que são feriados religiosos, e as expressões que as pessoas usam, que são ditas também por pessoas não religiosas, que se referem ao clamor de Deus. Jean usou os exemplos para dizer que a língua e a cultura se organizam também a partir dos valores religiosos. 
 
“Apesar de todo o processo de secularização, em que o estado-nação emerge tentando se separar da Igreja, a verdade é que esses valores religiosos permanecem, continuam vigorando, em algo que chamamos de preconceito. Os preconceitos são de ordem cognitiva e são partilhados socialmente e quase sempre a gente não se pergunta sobre ele, simplesmente naturalizamos o preconceito”, disse ele. 
 
O deputado contou que, por sofrer preconceito anti-homossexual “desde que se entende por gente”, sempre se perguntou sobre a origem disso, usando todo o conhecimento adquirido ao longo da vida. 
 
Ele contou que o preconceito homossexual tem a ver com essa herança cultural, sobretudo não do lado do helenismo, mas por conta de herança judaico-cristã, porque vem da história deste povo, que se materializou em um livro surgido em aramaico, traduzido para o grego, latim e demais línguas modernas, e a cada tradução foi deturpado, mas ainda é tomado como verdade absoluta por muita gente. 
 
Jean lembrou que a interpretação do cristianismo que vigora atualmente, seja no catolicismo, nas religiões históricas, pentecostais e neopentecostais, é a da obediência a Deus e, portanto, da limitação das liberdades individuais e da autonomia. “Essa interpretação entra em rota de colisão com o processo de secularização, que tem a ver com a autonomia do sujeito e das liberdades individuais”. 
 
E continuou dizendo que os secularistas, humanistas, que acreditam no estado laico e nas liberdades individuais, podem sair derrotados desta batalha, porque a igreja, desde o início do processo de secularização, vem renovando suas estratégias para interferir na vida pública. “No Brasil, uma Constituição radicalmente laica é a de 1891, que foi promulgada logo após a Proclamação da República e não faz qualquer referência a Deus, as outras fizeram”. 
 
O deputado ressaltou que podem sair derrotados porque não é só a Igreja Católica que renova a estratégia de influir na agenda pública, mas também as igrejas neopentecostais que, ao contrário das igrejas históricas cristãs, são fundamentalistas. “Tomaram os fundamentos desta cultura cristã ao pé da letra, e o livro que eles mais tomam é o Levítico, o código de ética de tribo patriarcal de três mil anos”, ressaltando que há pessoas que querem impor esse código hoje. “Cada pastor proselitista, ou deputado porta-voz desse proselitismo religioso que evoca o Levítico para justificar sua opressão aos homossexuais ou seu esforço de negar cidadania aos homossexuais, faz uma evocação seletista”.
 
O livro diz que Deus considera uma abominação um homem se deitar com outro, mas naquele momento histórico – há três mil anos – era importante para aquele povo proibir prática que resultasse em desperdício de sêmen, porque ele precisava crescer e se multiplicar. “Quando um deputado evoca essa passagem do Levítico, ele esquece de outras, como aquela que exorta o povo a escravizar o seu vizinho, ou aquela que diz que não se deve comer frutos do mar”.
 
Ele concluiu que os defensores das liberdades individuais podem sair derrotados porque os fundamentalistas se converteram em uma força econômica e política e nos negócios não estão mais restritos à igreja. E para garantir a força, eles precisaram eleger seus “títeres políticos”. Jean lembrou que, por poderem sair derrotados dessa luta, os defensores das liberdades individuais precisam se manter vigilantes. 
 
Já o juiz Roberto Arriada Lorea ressaltou que o tema da laicidade tem bastante visibilidade, mas nem sempre é tratado de forma adequada. Lorea resgatou exemplos que demonstram como o País chegou ao Estado laico, que não se rege por nenhuma entidade religiosa, e sim por uma soberania popular, ou seja, o chefe de Estado é eleito pelo povo. 
 
Ele lembrou que hoje existem estados teocráticos, em que um livro religioso é a lei civil, ou a própria Constituição do país. “E a nossa Constituição, no artigo 5º, inciso 6º, assegura um direito fundamental que muitos pensadores entendem que é o primeiro direito, que é a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença”.
 
Quando se diz dessa inviolabilidade, significa que o Estado não pode impor ao cidadão uma crença religiosa, nem hierarquizar qualquer crença, nem dizer que crer é bom. “Crer ou não é indiferente para o Estado”, lembrou o magistrado, ressaltando que o artigo 5º, inciso 6º, imuniza o cidadão a uma coação estatal em matéria religiosa. 
 
O magistrado ponderou que, apesar de ser um princípio simples, ele é constantemente violado no País. “A maioria dos juristas atenta para esse princípio na dimensão positiva, no sentido da liberdade de culto e de expressão religiosa, mas existe uma segunda dimensão tão ou mais importante que a primeira, que significa, entre outras coisas, que não posso ser compelido pelo Estado a declinar minha religião [...]. Então quando os pais levam uma criança à escola e é perguntado qual a religião dessa criança, isso é uma violação no seu direito a preservar sua individualidade”. 
 
 
 
 
 
 
  

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