Quinta, 18 Abril 2024

Espírito Santo alberga os últimos Tupinikim do Brasil

Espírito Santo alberga os últimos Tupinikim do Brasil

Na fala popular do brasileiro, a etnia Tupinikim acabou virando um adjetivo, sinônimo de algo genuinamente nacional, por vezes de maneira pejorativa. Eles foram os primeiros povos contactados pelos portugueses no início da invasão colonial no continente em 1500. O que poucos sabem é que os últimos remanescentes dessa etnia sobrevivem no território capixaba, mais precisamente nas aldeias localizadas em Aracruz.


Um estudo de genética publicado, nessa segunda-feira (13), comprova que os indígenas Tupinikim de Aracruz são realmente sobreviventes do genocídio histórico. A etnia chegou a ser considerada extinta durante quase dois séculos, desde 1780 até 1975, quando se autoreconheceu como pertencente aos tronco Tupinikim, reivindicando a demarcação de seu território tradicional.



Mesmo depois de declarado extinto, povo Tupinikim mantém tradições em Aracruz. Foto: Rogério Medeiros


A pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP), em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), mostra que os Tupinikim de Aracruz possuem 51% de seu DNA nativo americano, embora tendo passado por processos de miscigenação, sobretudo em certos períodos da história que incluíram escravidão, migrações e outros fatores.  A ancestralidade nativa em média na população brasileira é de cerca de 7%.


Nos Tupinikim, no estudo que envolveu coleta de DNA de 47 pessoas, foi encontrado em média 26% de DNA de origem europeia e 23% africana. No DNA nativo, não há muito indício de miscigenação entre os tupinikim e outras etnias indígenas.


A miscigenação é fruto do colapso populacional que a etnia sofreu diante da chegada dos portugueses, com declínio vertiginoso de sua população por conta da perseguição, das doenças e da imposição cultural. Segundo estudiosos, essa miscigenação foi mais forte em três momentos específicos da história. O primeiro há cerca de 300 anos atrás com os europeus diante do início do ciclo da mineração, quando houve grande migração europeia e escravização em massa de indígenas. O segundo momento se daria quase um século depois, com a chegada da família real portuguesa em 1808 e o aumento da entrada de negros escravizados sequestrados de África. O último pulso de miscigenação teve início há cinco gerações e perdura até hoje, tendo sido iniciado no final do século XIX quando há abolição da escravatura e novas levas de migrantes europeus, sendo que os Tupinikim se miscigenam desde então com ambos grupos.


Os Guarani-Nhandeva que também habitam Aracruz e são vizinhos dos Tupinikim possuem menor miscigenação genética, com 77% de DNA nativo americano. Também descendentes do tronco tupi, eles chegaram ao Espírito Santo na década de 1960, vindo da região divisa entre Brasil e Paraguai, depois de uma longa peregrinação, liderada pela líder espiritual Tatantxin Yawá Reté. 


O estudo recém divulgado ajuda também a entender os possíveis passos da migração dos povos originários. Os descendentes do tronco tupi chegaram ao litoral atlântico há mais de 2 mil anos, vindos pela foz do Rio Amazonas e depois descendo pelo costa, tendo ocupado territórios litorâneos desde o Pará até Santa Catarina.


Quem são os últimos Tupinikim


Sobreviventes do genocídio, os Tupinkim somam atualmente cerca de 2 mil pessoas e cinco aldeias, em território total de 18 mil hectares compartilhados com os Guarani, sendo que 11 mil deste total foi homologado apenas em 2010, no final do governo Lula, depois de uma longa jornada de lutas protagonizadas pelos indígenas com apoio de setores da sociedade civil capixaba, na qual chegaram a sofrer tentativa de despejo policial violento, com dezenas de feridos e enfrentaram campanhas racistas no município que incluíram outdoors financiados pelas subsidiárias e terceirizadas da Aracruz Celulose.


Devido ao grande impacto da colonização, os Tupinikim perderam a língua ancestral, que passa por processo de recuperação por alguns jovens estudiosos originários das aldeias, assim como deixaram de usar nomes na língua nativa para adotar nomes e sobrenomes de origem europeia. A influência das religiões cristãs também é uma marca forte nas aldeias, embora aconteça algum tipo de sincretismo com as crenças tradicionais. Toda essa perda de tradições e patrimônio imaterial tem a ver com processos violentos, quando foram obrigados a assumir identidades impostas pelo colonizador ou quando ocultaram elementos ancestrais para evitar discriminação e punições.



Registro dos Jogos Tradicionais Indígenas realizados em Aracruz. Foto: Rogério Medeiros


Mas os Tupinikim de hoje mantém uma forma de vida ligada à terra, com a pesca e agricultura familiar, além da produção de artesanatos e a existência de grupos de dança, música e realização de Olimpíadas Indígenas com diversas modalidades que remetem às práticas tradicionais. Muitos também trabalham fora das aldeias, alguns possuem formação acadêmica e até pós-graduação. As aldeias possuem escolas básicas e este ano terão início as aulas da primeira escola indígena de Ensino Médio, na aldeia de Caieiras Velha, atendendo estudantes de origem Guarani e Tupinikim, fruto de uma longa luta destes povos. A Ufes possui em curso sua primeira turma de graduação em Educação Intercultural Indígena, voltada para a formação de professores destas etnias, com aulas em Aracruz.


Os Tupinikim e Guarani vivem hoje possivelmente no território indígena brasileiro que sofre impacto do maior número de empreendimentos industriais, sendo rodeado pelo monocultivo de eucalipto e pela planta industrial da Suzano (ex-Aracruz Celulose) e seu porto privado (Portocel), pelo Estaleiro Jurong, que ocupa área onde foram encontrados vestígios arqueológicos e sobre um corpo fluvial que antes servia de acesso aos Tupinikim para o mar, além de diversas subsidiárias e dos dutos da Petrobras, que só indenizou as aldeias pelo uso de seu território após a realização de protestos.


Apesar das dificuldades e conflitos, o território indígena em Aracruz representa um freio ao capitalismo desenfreado na região, mantendo a conservação de amplos trechos de mata nativa ao redor de belas paisagens com rios e o mar, onde os habitantes buscam também impulsionar iniciativas de etnoturismo.

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