Famílias da Vila Esperança reforçam resistência durante Natal em prédio abandonado
Três anos após terem suas casas demolidas durante o cumprimento de uma ordem de reintegração de posse, famílias da ocupação Vila Esperança celebraram o Natal reunidas em um prédio abandonado no balneário Ponta da Fruta, em Vila Velha. Como acontecia na antiga comunidade na região de Jabaeté, a festa foi organizada de forma coletiva e marcada pela resistência. Os moradores ainda enfrentam negação de direitos básicos, como água, saúde e educação.
A comunidade tem uma reunião marcada para o próximo dia 10 de janeiro com a Defensoria Pública do Estado (DPES) e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, para tratar, principalmente, das áreas de saúde e educação. “É disso que a gente mais precisa agora”, aponta Adriana Paranhos, conhecida como Baiana, presidente da Vila Esperança e militante do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM).

A ocupação é formada por famílias que, após sofrerem despejo e terem a comunidade desmantelada, encontraram na estrutura abandonada a única alternativa para não viver nas ruas. Baiana afirma que o imóvel estava há 30 anos sem qualquer utilização. “O próprio dono falou que estava parado há três décadas e poderia cumprir função social, servir para moradia de quem precisa”, destaca. O edifício é dividido em duas torres, uma delas possui rede de esgoto, a outra, não. “Um prédio tem cano, rede, esgoto, a outra não tem nada. É assim que estamos sobrevivendo”, relata.
Na semana que antecedeu o feriado de Natal, a situação se agravou com o corte no abastecimento de água. “Funcionários da Cesan [Companhia Espírito-Santense de Saneamento] vieram aqui, disseram que religariam, mas até agora nada”, denuncia. “É muito difícil cozinhar, limpar, cuidar das crianças desse jeito”, enfatiza. Apesar disso, muitas famílias permaneceram no prédio durante a celebração da data. “Sempre tentamos manter a esperança”, conta Baiana.
Ela destaca que o Natal trouxe também lembranças da antiga ocupação, onde os encontros comunitários eram frequentes. “Antes a gente se reunia debaixo do pé de manga para as confraternizações, fazia comida junto, tinha espaço. Aqui é diferente, mas a gente tenta não perder isso”, afirma.

No início da ocupação do prédio, os moradores enfrentaram forte rejeição no bairro. “Teve muita acusação. Diziam que a gente iria trazer violência. Eu bati no peito e falei: vocês vão ter que provar, porque ninguém aqui é bandido”, relembra. Com o tempo, ela reconhece que a relação mudou e parte da vizinhança colaborou com doações. “Eles se organizaram, fizeram reunião e decidiram ajudar”.
Mesmo com gestos de solidariedade, a realidade cotidiana segue marcada por violações. A energia elétrica é instável e o acesso a saúde é dificultado, segundo a liderança. Ela denuncia que as famílias da Vila Esperança têm sido recusadas no atendimento do posto de saúde de Jabaeté. “Todas as famílias da Vila Esperança foram retiradas de lá. Não atende mais ninguém daqui. Estamos sendo negados”, critica. Os impactos do despejo ainda atingem as crianças, que faltaram muitas aulas após a remoção forçada, mas conseguiram concluir o ano letivo com apoio da Defensoria Pública, afirma Baiana.
A situação atual da Vila Esperança é resultado da ordem judicial de reintegração de posse determinada pelo juiz Carlos Magno Moulin Lima, da 1ª Vara de Fazenda Pública, a pedido do governo do Estado, no último mês de setembro. Após serem despejadas da área onde viviam em Jabaeté, as famílias chegaram a montar um acampamento em frente ao Palácio Anchieta, no Centro de Vitória. Em carta-manifesto divulgada à época, afirmaram que não deixaram o local por vontade própria. “Fomos obrigadas a recuar para proteger nossas crianças, idosos e demais integrantes”, diz o documento.

Dados da Defensoria Pública do Estado apontam que mais de 800 famílias viviam nas ocupações Vila Esperança e Vale da Conquista desde 2017, muitas em situação de extrema pobreza. A única proposta apresentada até hoje foi a ampliação temporária do auxílio financeiro, considerada insuficiente pela comunidade. Para Baiana, a permanência no prédio abandonado não é uma reivindicação, mas uma necessidade. “A gente não quer esse espaço. Ele não foi feito para moradia. Mas sem opção, é aqui ou a rua”, afirma.
Em meio às dificuldades, a liderança reforça que a luta continua. “Estamos cansados, mas não desistimos. O Natal aqui foi simples, mas mostrou que seguimos vivos, juntos. Essa luta é pelo futuro das nossas crianças”, conclui.

