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Estado terá escola de formação em direitos humanos para agentes do Iases

Marco Olsen aponta que iniciativa é reflexo de ação movida pela Corte Interamericana

O Espírito Santo foi escolhido para implementar um projeto piloto do governo federal: a criação da Escola de Socioeducação, uma parceria entre o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) e a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). O coordenador é o professor do curso de Direito Marco Antonio Lopes Olsen, que atribui a escolha ao fato de o Estado responder a uma ação na Corte Interamericana de Direitos Humanos por violências na Unidade de Internação Socioeducativa (Unis) de Cariacica. “O Espírito Santo ter sido escolhido é indicativo de que a coisa não estava tão boa”, ressalta.

Arquivo Pessoal

A inauguração será durante o I Simpósio Estadual de Socioeducação, na próxima quinta-feira (30), às 8h, no Salão Rosa, no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE), campus de Goiabeiras, em Vitória. O evento é aberto ao público. A escola, segundo o coordenador, oferecerá uma capacitação semipresencial, de 180 horas, com disciplinas como Introdução ao Estatuto da Criança e do Adolescente, Introdução aos Direitos Humanos, Fundamentos da Socioeducação e Gênero e Diversidade. “É preciso conscientizar para que haja um olhar para o ser humano infrator que seja com respeito, com as lentes dos direitos humanos”, defende Marco.

Além da Ufes, outras seis instituições de ensino participarão do projeto piloto, que tem como público-alvo agentes do sistema socioeducativo: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Universidade Federal de Sergipe (UFS), Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

As denúncias sobre a Unis foram feitas em 2009, relatando crimes de tortura, abuso sexual, superlotação, condições insalubres e maus-tratos. As técnicas de tortura eram consideradas “semelhantes às utilizadas pelos Estados Unidos no Iraque e durante a ditadura militar no Brasil”. Dois anos depois, a Corte solicitou ao Estado que adotasse medidas necessárias para erradicar as situações de risco e proteger a vida e a integridade pessoal, psíquica e moral das crianças e adolescentes privados de liberdade na unidade. Outra medida era para que os representantes dos internos participassem do planejamento das ações, como o atendimento médico e psicológico dos socioeducandos, e fossem informados sobre a execução das medidas.

Desde então, a unidade socioeducativa precisa prestar relatórios que comprovem o cumprimento das medidas solicitadas pela Corte Interamericana, de quatro em quatro meses. Após o envio, entidades estaduais de direitos humanos apresentam um parecer sobre o relatório, com a própria versão do tratamento recebido pelos socioeducandos nas instituições.

Marco acredita que, diante disso, houve melhorias. Ele afirma que o sistema socioeducativo capixaba “não é perfeito”, mas conta, entre as medidas, com parcerias para qualificação profissional por meio da oferta de cursos técnicos e práticas esportivas. “A partir da denúncia surgem ações, as coisas tendem a melhorar, pois nenhum governo quer manchar sua imagem”, diz.

Entretanto, o coordenador faz críticas à semelhanças que enxerga entre os sistemas socioeducativo e prisional, como o fato de os adolescentes ficarem “trancafiados” em cela. De acordo com Marco, isso acontece quando chegam à unidade socioeducativa, passando por um período de adaptação, sendo liberados para o alojamento somente depois disso. Essa situação, aponta, contraria as diretrizes da Secretaria Nacional de Proteção da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos.

O curso também será aberto a servidores de pastas que dialoguem com o Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases), como a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) e a Secretaria Estadual de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp). “A Polícia Civil e a Polícia Militar acaba entrando em contato com esse menor infrator no momento da abordagem. Mas essa abordagem é feita de que forma? De que maneira? Muitas vezes a gente vê uma truculência, a violência extrapola para um patamar que não deveria”, aponta.

Habeas Corpus

A ação da Corte Interamericana já provocou outras iniciativas com foco no sistema socioeducativo. Uma delas foi, em 2020, a aprovação do Habeas Corpus Coletivo 143.988, que determina o fim da superlotação em unidades socioeducativas. O Habeas Corpus foi considerado uma vitória para a sociedade civil organizada. A decisão valeu para todo o Brasil e ultrapassou as expectativas, ao limitar em 100% a lotação das unidades socioeducativas, conforme estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A reivindicação era de 119%. 

O Habeas Corpus Coletivo foi impetrado pela Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) em 2017 e, em agosto de 2018, foi deferida liminar fixando o limite de 119% de lotação em unidades socioeducativas no Estado. Em maio de 2019 a decisão foi estendida para Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio de Janeiro. Em 2020, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu “que o Brasil não pode mais conviver com superlotação no sistema socioeducativo”, e estendeu a medida para todo o País, o que foi considerado, pela Defensoria, uma “vitória histórica”.

Além da limitação de 100%, foi garantida a possibilidade de internação domiciliar e criação de um observatório nacional da socioeducação. Também foram estabelecidos critérios e parâmetros a serem observados pelos magistrados nas unidades de internação que operam com a taxa de ocupação dos adolescentes superior à capacidade projetada. Entre eles, reavaliação dos adolescentes internados exclusivamente em razão da reiteração em infrações cometidas sem violência ou grave ameaça à pessoa; e possibilidade de conversão de medidas de internação em internações domiciliares.

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