Além do acampamento no Palácio Anchieta, atos têm sido realizados na Jerônimo Monteiro

Pelo quarto dia consecutivo, as famílias da ocupação Vila Esperança, em Vila Velha, mantêm o acampamento em frente ao Palácio Anchieta, no Centro de Vitória, contra a ordem de despejo determinada pela Justiça. A mobilização também se expandiu para atos de rua, com a ocupação de faixas da avenida Jerônimo Monteiro nesta quarta-feira (3), para reiterar as denúncias de omissão das gestões do governador Renato Casagrande (PSB) e do prefeito Arnaldinho Borgo (sem partido) diante das violações de direitos enfrentadas pela comunidade.
O morador Josué Santos destaca que a mobilização ganha reforço à medida que a repercussão do protesto cresce e recebe atenção de estudantes, entidades e movimentos sociais que apoiam a mobilização em solidariedade às famílias. Segundo ele, a pressão tende a aumentar caso não haja negociação. “Enquanto não tiver uma resposta, vamos lutar”, destaca.
No último dia 20 de setembro, a 6ª Vara Cível de Vila Velha deu prazo de 20 dias para desocupação da ocupação, formada há cerca de oito anos na região de Jabaeté. Desde domingo (31), o acampamento instalado expõe a vulnerabilidade decorrente da ausência de um plano de reassentamento ou alternativa digna de moradia. A presidenta da ocupação, Adriana Paranhos, conhecida como Baiana, aponta que a empresa Alphaville estaria diretamente ligada às pressões pela retirada das famílias da área.
O plano de desocupação prevê a concessão de auxílio extraordinário de uma parcela única de R$ 2,2 mil para até cem famílias, previamente identificadas em situação de vulnerabilidade. A prefeitura deverá oferecer ainda um apoio logístico para mudanças, transporte de pertences para cidades vizinhas e guarda em galpões por até 21 dias.
Entre as famílias consideradas aptas ao auxílio, quase metade (65 famílias, ou 48,1%) vive com renda de até R$ 105 por mês, configurando situação de extrema pobreza. Outras 14 famílias (10,3%) têm renda entre R$ 105,01 e R$ 210, enquanto 28 famílias (20,7%) sobrevivem com valores entre R$ 210,01 e meio salário mínimo (R$ 759,00). Mais 25 famílias (18,5%) possuem renda superior a meio salário mínimo. Além disso, em três casos (2,2%), a inclusão se deu por outros critérios sociais, como recebimento de Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou ausência de imóvel próprio.

A advogada Maria Elisa Quadros, que representa a comunidade no processo, reitera que não houve avanços nas últimas reuniões com o poder público. Nessa terça-feira (2), a situação foi discutida em reunião da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Vila Velha, mas nada efetivo foi apresentado, relata. “Houve apenas conversas por alto sobre aumentar o valor do auxílio e incluir mais famílias, mas sempre frisando que não era nada certo. Ou seja, seguimos sem uma alternativa real”, disse.
Na segunda-feira (1), uma comissão foi recebida pelo governador Renato Casagrande (PSB), pela secretária de Direitos Humanos, Nara Borgo, e por representantes da Defensoria Pública. Para os moradores, o encontro apenas reforçou a frustração.
De acordo com Baiana, Casagrande descartou qualquer possibilidade de permanência das famílias na área, afirmando que isso incentivaria novas ocupações. O governador também alegou falta de recursos para desapropriar o terreno, embora haja um decreto de 2020, assinado pelo então prefeito Max Filho (PSDB), declarando a região de interesse social para habitação popular. Como alternativa, o governo citou a inclusão das famílias em programas habitacionais futuros, como o Minha Casa Minha Vida, ou o reassentamento em áreas apontadas pela Prefeitura de Vila Velha. Nenhuma das opções, no entanto, tem prazo ou garantia.
A Vila Esperança surgiu em 2016, durante a gestão de Rodney Miranda (Republicanos), em um terreno abandonado. Ao longo dos anos, as famílias ergueram suas casas, cultivaram hortas e criaram redes de solidariedade. O decreto de 2020 alimentou a expectativa de regularização, mas foi revogado em 2022 pelo prefeito Arnaldinho, abrindo caminho para a reintegração de posse.
A execução da reintegração havia sido suspensa por determinação do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que exigiu a elaboração de um plano voltado a garantir alternativas habitacionais para as famílias vulneráveis antes da remoção. Após audiência de mediação realizada no último mês de julho, a Justiça entendeu que o plano de desocupação pactuado entre o município, o proprietário da área e a Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), “mostrou-se satisfatório e razoável para mitigar a situação de vulnerabilidade dos ocupantes, quando da execução da ordem de desocupação”.
Segundo a Defensoria, mais de 800 famílias vivem nas ocupações Vila Esperança e Vale da Conquista, localizada ao lado e também alvo da desocupação, desde 2017. Relatórios oficiais apontam 870 imóveis no local, com cerca de 400 residências ocupadas.