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Famílias da Vila Esperança veem avanço nas negociações por moradia

Comitiva da União se reuniu com comunidade, governo e Prefeitura de Vila Velha

Após anos sob ameaça de despejo, uma mesa de diálogo promete ser o caminho para a permanência digna das centenas de famílias que construíram suas vidas na Ocupação Vila Esperança, como afirma a liderança Adriana Paranhos, conhecida como Baiana. Uma comitiva do governo federal esteve na comunidade e se reuniu com representantes do governo estadual, prefeitura e moradores nessas quinta (24) e sexta-feiras (25), para encontrar soluções para a vulnerabilidade enfrentada pelas ocupações urbanas do Espírito Santo.

“A comitiva veio mostrar que tem saída para garantir a permanência da comunidade e recursos do governo federal disponíveis e outros meios, porque é uma área grande, onde é possível o povo viver com dignidade e equilíbrio”, afirmou. O encontro foi resultado de articulação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, que também promoveu visitas à ocupação Chico Prego, em Vitória.

Leonardo Sá

Baiana destacou que a proposta levada à mesa de diálogo foca na manutenção da comunidade existente, com projetos de urbanização que garantam condições de vida adequadas aos moradores. “A Izadora [Brito, secretária-adjunta da Secretaria-Geral da Presidência da República] veio com esse diálogo de manutenção da comunidade, com urbanização, então para nós é um sinal de que a vitória da permanência está bem perto”, celebrou.

Para ela, outro ponto crucial para o avanço das negociações foi a Prefeitura de Vila Velha entender que a confrontação não traria benefícios e se comprometer a atuar em favor da comunidade. “A secretária disse várias vezes que estavam aqui porque o Lula e o Márcio [Macedo, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República] pediram para cuidar disso de perto e puxar o diálogo para buscar uma solução. Então, eles perceberam que não adianta ficar nessa briga com o povo, temos tudo a ganhar com esse sinal de que o governo federal está de portas abertas para ajudar no que for preciso”, explicou.

A solução discutida prioriza a permanência na área, garantindo direitos e serviços básicos que a comunidade atualmente não têm acesso devido à falta de regularização fundiária, como eletricidade e saneamento básico, o que obriga os moradores a percorrerem trajetos longos apenas para buscar água. 

Outro ponto abordado na reunião foi a singularidade da comunidade de Vila Esperança e a inviabilidade de soluções habitacionais tradicionais, como apartamentos. “Nós reforçamos para o subsecretário [Carlos Cerqueira Guimarães, de Política Estadual de Saneamento e de Apoio Regional] que não tem nem como colocar essa comunidade em um prédio, porque as pessoas estão acostumadas a plantar a sua mandioca, criar sua galinha, temos uma senhorinha que colhe e vende a mandioca que produz. Já estamos enraizados com a terra”, argumentou Baiana, ressaltando o modo de vida e a conexão dos moradores com o local.

Ela também apontou para um cenário mais favorável em Vila Velha em comparação com a ocupação Chico Prego, onde a relação entre o governo estadual e a prefeitura é mais tensa. “E a relação do governo estadual com a Prefeitura de Vila Velha é boa, ao contrário de Vitória, onde tem a Ocupação Chico Prego, o que torna mais fácil a parceria”, avaliou.

Divulgação/Assessoria Camila Valadão

A questão da criminalização das ocupações, uma tática frequentemente utilizada para deslegitimar a luta por moradia, também foi levantada durante o encontro pela secretária da Presidência, que teve uma conversa com a secretária de Assistência Social da prefeitura, Letícia Goldner, sobre essa preocupação, relata Baiana. “A Isadora até falou, ‘vejo vocês tentando criminalizar cada vez mais. A ideia não é essa, é manter a integração das terras para as famílias morarem”, enfatizou. 

Adriana também rebateu durante a reunião com a prefeitura as tentativas de responsabilizar a comunidade por questões como a venda de terrenos e o crescimento populacional. “A Letícia queria que eu prometesse que não entraria mais ninguém lá. Isso é impossível, a comunidade está crescendo, nem vocês têm o controle, eu falei para ela. Vocês, que são da Assistência Social, do Estado, município, federal, não têm o controle. Nas moradias do ‘Minha Casa, Minha Vida’ também têm problemas de invasão, venda, então, como é que você manda eu ter controle de duas ocupações imensas?”, questionou.

“Não tem como, é um parente que chega, casais se separam, várias crianças que já nasceram ali. Existem pessoas que, infelizmente, se aproveitam da situação. Mas nós temos que lembrar que várias famílias precisam, crianças, adolescentes, pessoas acamadas, idosos, e não criminalizar toda a comunidade por causa de uma pessoa que fez isso”, reforçou.

A suspensão da ordem de reintegração de posse pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, no início de abril, foi um divisor de águas para a comunidade. Na última sexta-feira (18), o ministro, relator do caso no STF, votou pela confirmação da decisão liminar proferida (DJe de 8/04/2025) no plenário da 2ª Turma da Corte. Toffoli defende que a 6ª Vara Cível de Vila Velha, que havia determinado o despejo, adote procedimentos para detalhar a sistemática de pagamento dos recursos para garantir medida alternativa habitacional aos ocupantes vulneráveis, antes de qualquer ordem de desocupação coletiva. A previsão é que a apreciação da liminar seja concluída pelo colegiado até a próxima terça-feira (29).

A decisão do ministro atendeu a uma reclamação constitucional da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), que apontou violações de direitos fundamentais e desrespeito à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que estabelece parâmetros para despejos durante e após a pandemia da Covid-19.

“O ministro do STF viu que houve um erro gravíssimo, queriam pegar quase mil famílias e jogar para a rua, pronto, está resolvido. Está feita a solução. Para onde iriam essas pessoas, colocaria todo mundo na rua? Então, não adianta. Agora está na mão dos ministros e Lula está do nosso lado, do povo, do pobre”, enfatizou.

Leonardo Sá

Violação de direitos

A Defensoria sustenta que a decisão da 6ª Vara Cível de Vila Velha, que autorizava a desocupação, violava o entendimento consolidado no STF por meio da ADPF 828, uma vez que não havia plano de reassentamento prévio, nem garantia de direitos básicos às famílias. Na decisão, Toffoli considera que “a desocupação forçada sem garantia de alternativa habitacional viola os direitos humanos” e que “nenhum dos entes públicos envolvidos – município, Estado ou União – apresentou proposta efetiva para assegurar os direitos das famílias vulneráveis residentes na área, mesmo após diversas audiências e requerimentos”.

A ocupação Vila Esperança, junto à vizinha Vale da Conquista, também alvo da reintegração, está situada em uma área que pertencia à Fazenda Moendas Empreendimentos e Participações Ltda. A ação foi movida em 2019 por Carlos Fernando Machado, que requer a posse das glebas 3 e 4 da chamada “Fazendinha Treze”.

Relatórios sociais apresentados pela própria prefeitura em 2024 apontaram que pelo menos 664 famílias estavam cadastradas na área como residentes em situação de vulnerabilidade. No entanto, a DPES denuncia que esse levantamento foi incompleto, com ausência de visitas in loco e ausência de ampla divulgação do cadastramento via Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e critérios de vulnerabilidade pouco transparentes e restritivos. “Nem mesmo os que preenchiam o critério máximo de miserabilidade tiveram suas necessidades atendidas”, afirmou no recurso apresentado ao Supremo.

A ocupação surgiu como resposta à falta de acesso à moradia digna na região durante a gestão do então prefeito Rodney Miranda (Republicanos), em um terreno abandonado que, com o tempo, foi sendo transformado em um território vivo, produtivo e solidário. Os moradores construíram suas casas com recursos próprios, acreditando no decreto do ex-prefeito Max Filho (PSDB), de 2020, que declarou a área como de interesse social e possibilitou a desapropriação do terreno para fins habitacionais. No entanto, em 2022, Arnaldinho Borgo (Podemos) revogou o decreto, cedendo às pressões do setor privado. Desde então, as tentativas de diálogo com a Prefeitura de Vila Velha e o Governo do Estado não avançaram.

A repressão contra o movimento também se intensificou com a mobilização dos moradores para denunciar o descaso do poder público diante da crise habitacional. João Otávio Silva Lessa, um jovem autista de 18 anos e morador da ocupação, foi preso durante um protesto pacífico em que a comunidade se dirigiu até a sede da administração municipal para cobrar um posicionamento do prefeito. Ele teve sua liberdade condicionada ao pagamento de uma fiança de R$ 30 mil e passou nove dias preso no Centro de Triagem de Viana, até conseguir a revogação da fiança por meio de um habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A prisão foi apontada por movimentos sociais e entidade como a Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta (Abrapo) como parte de uma tentativa de criminalizar a luta por moradia e os moradores da ocupação.

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