Categoria levou pauta à Câmara e aponta “desmonte” da gestão de Toninho Bitencourt
Uma comissão de guarda-vidas de Marataízes, no litoral sul do Espírito Santo, tem denunciado uma série de irregularidades da prefeitura, que consideram uma política deliberada de desmonte do serviço no município. Com a extinção do cargo efetivo aprovada em 2024, os profissionais relatam rebaixamento salarial, perda de direitos, falta de infraestrutura e ausência de diálogo com a gestão de Toninho Bitencourt (Podemos). A situação foi levada à Câmara Municipal nessa terça-feira (24) e, segundo a categoria, ameaça diretamente a segurança da população nas praias e lagoas da cidade, especialmente durante o verão.

Segundo um representante da comissão que preferiu não se identificar, por temer retaliações, cinco servidores efetivos foram contratados em 2011 no nível 2 do plano de cargos, com exigência de ensino fundamental completo. Em 2014, um novo edital previu contratações, mas os aprovados só foram chamados em 2019, cinco anos depois. Desde então, o número de atribuições aumentou, mas o salário e a valorização não acompanharam.
“O que aconteceu no ano passado foi um golpe. Fomos rebaixados para o menor piso da prefeitura e colocaram nosso cargo em processo de extinção. A justificativa oficial nunca chegou. Procuramos a prefeitura, protocolamos documentos, pedimos explicações, mas não há resposta”, afirma.
A extinção do cargo ocorreu ainda na gestão de Tininho Batista (PSB), que não conseguiu eleger seu sucessor, o ex-vereador Luiz Carlos Almeida (Republicanos). Com a posse do novo prefeito, a comissão passou a buscar diálogo direto com o executivo, mas sem sucesso. “Fomos orientados a procurar o secretário de Segurança, Áureo Falcão. Ele ficou de resolver, mas já se passaram três meses, e nada foi feito. É muito triste para um servidor público precisar implorar por atendimento”, desabafa o representante da comissão.
Além da insegurança jurídica e do rebaixamento profissional, os guarda-vidas relatam que enfrentam condições de trabalho consideradas degradantes. A falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), a ausência de agasalhos para o inverno, e a precariedade dos postos são algumas das queixas. “Trabalhamos com roupas improvisadas. O frio na praia chega a 16 graus no fim da tarde, e o trabalhador sem casaco, ou com roupa que paga do próprio bolso”, acrescenta.
Os postos elevados de madeira, conquistados após muita pressão, também sofrem com a falta de manutenção. “Não tem água, luz e limpeza, nem banheiro por perto. A opção é correr para o mar ou implorar para comerciantes deixarem usar os banheiros. Em alguns pontos, o comércio mais próximo fica a um quilômetro de distância”, afirma.
Com a ausência de estrutura, os próprios servidores organizam vaquinhas para comprar itens básicos como vassouras e cadeiras, muitas delas doadas por comerciantes locais. “A prefeitura não compra nem cadeira para o guarda-vidas sentar. É desumano”, critica.
Outra denúncia diz respeito à suspensão dos “especiais” – turnos extras realizados em finais de semana e feriados para ampliar a cobertura do litoral. Segundo a comissão, além de cortarem o adicional, a gestão municipal deixou de pagar o serviço realizado no mês anterior ao corte. “Fizemos o trabalho em abril, abrimos mais postos, e não recebemos. Hoje, ao invés de 10 postos abertos, temos só seis, mesmo com aumento do movimento na praia”, alerta.
Marataízes possui 25,6 km de litoral, além de lagoas e rios. O efetivo atual conta com 26 guarda-vidas efetivos e 14 contratados. Contudo, por conta da escala 12×16, apenas metade atua por dia. A comissão diz que seriam necessários de 100 a 120 profissionais no verão, quando a cidade recebe turistas do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e até do exterior.
“O contrato dos temporários vai até 31 de dezembro. E como o cargo foi colocado em extinção, a lei impede novo processo seletivo. Ou seja, não poderá haver reposição. Como a cidade vai passar o verão com apenas 26 profissionais?”, questiona.
Os guarda-vidas relatam que criaram uma comissão eleita por votação em 2022, representando efetivos e contratados, e a protocolaram na prefeitura. Até hoje, seu reconhecimento oficial não foi publicado. “Durante a campanha, o atual prefeito prometeu escuta direta, valorização e solução para o rebaixamento. Hoje, se recusa a nos atender”, denuncia o representante.
Ele afirma que os próprios servidores coletam e organizam estatísticas sobre resgates, incidentes e segurança nas praias, produzindo relatórios voluntariamente para ajudar no planejamento da gestão. “Nós nos esforçamos para manter o serviço mesmo sem condições, por respeito à população. Não queremos prejudicar ninguém, mas não dá mais para seguir calado”, diz.
Diante do silêncio da prefeitura, a comissão acionou o Ministério Público Estadual (MPES), que estaria avaliando a situação. Também há articulação com vereadores da cidade, que se comprometeram a cobrar providências. Uma paralisação de até 72 horas está em debate, mas os profissionais preferem evitar esse caminho.
“Sabemos que se pararmos, quem sofre é a população. E é essa mesma população que reconhece nosso trabalho, nos trata com carinho. Mas também não dá para continuar sendo ignorado. A extinção do cargo afeta a todos, não só os servidores. O verão está chegando e não tem como garantir segurança com esse efetivo. É a vida das pessoas que está em risco”, reitera.