Uma decisão publicada no Diário da Justiça desta quinta-feira (18) expõe mais uma página da recente história de violações nas unidades prisionais do Espírito Santo durante a gestão (2003 – 2010) do ex-governador Paulo Hartung (PMDB). A desembargadora Catharina Maria Novaes Barcellos, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado (TJES) reformou uma decisão de 1º grau e absolveu do crime de dano ao patrimônio cometido por Diego Braga Nascimento, que ficou preso por 21 dias na viatura n° 588, conhecida também como “micro-ondas” . A cela improvisado numa viatura era considerada por entidades humanistas um flagrante de violações de direitos.

O “micro-ondas” era uma viatura tipo van adapatada (foto) que ficava estacionada nos fundos da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), localizada no bairro Barro Vermelho, em Vitória. A viatura, um “caixote de aço” sem ventilação adequada, atingia altas temperaturas no verão e impedia que o preso praticamente se mexesse, tão exígua eram as dimensões do cárcere. Os detidos só podiam usar banheiro a cada 12 horas e tinham de revezar na hora de dormir.
Diego ficou detido por 21 dias no “micro-ondas”, quando se revoltou com a situação precária e promoveu um quebra-quebra na viatura, pedindo a transferência para uma unidade prisional. Ele danificou a tela de proteção do veículo com um pedaço de metal e acabou sendo autuado por dano ao patrimônio público.
A sentença de 1° grau, proferida pelo juiz Alexandre Farina Lopes, condenou Diego Braga a nove meses de detenção no regime semiaberto e 12 dias-multa.

A desembargadora reitera, ainda, “que embora um erro não justifique o outro, fica claro que a conduta do acusado não teria objetivo de causar dano ao patrimônio, mas o firme propósito de chamar a atenção das autoridades a fim de conseguir transferência para um presídio da Grande Vitória dotado de estrutura mínima para a custódia de seres humanos”.
Assim, por considerar que não houve elementos que caracterizassem a vontade do acusado de promover deliberadamente o dano ao patrimônio, a magistrada decidiu por absolver Diego Braga do crime.
Masmorras
O “mosespinho” ou micro-ondas” era somente um de vários instrumentos considerados de tortura que eram empregados durante o governo Hartung e pelos quais o País sofreu sanções internacionais. Além do “micro-ônibus” usado como carceragem para presos provisórios, o Estado também lançava mão de contêineres adaptados que serviam de celas.
A cela “micro-ondas” que funcionava na DHPP só foi interditada após recorrentes denúncias de organizações de direitos humanos. Um documentário produzido pelo programa Repórter Record, da TV Record, expôs a precariedade do sistema de celas metálicas e da superlotação dos Departamentos de Polícia Judiciária (DPJs) para todo o País.
As práticas de torturas empregadas nas “masmorras” só começaram a recrudescer no final do governo Hartung, quando as denúncias de violações chegaram à ONU e o governo federal aumentou a pressão sobre o Estado para desativar as celas contêineres, os “micro-ondas” e outros locais de confinamento inapropriados para seres humanos.