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Hucam recua e mantém atendimento adequado a vítimas de violência sexual

Após protesto, hospital desistiu de transferir o Pavivis para um “cubículo improvisado”

A administração do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam-Ufes) recuou da decisão de retirar o Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Pavivs) de sua sede atual para transferir a um “cubículo improvisado”, após ato público realizado na semana passada. A decisão foi suspensa por intervenção direta do reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Eustáquio de Castro, mas a situação só foi consolidada nessa segunda-feira (15), em reunião entre a Superintendência do hospital, representantes da rede de atendimento e a coordenação do programa.

Segundo coletivos feministas, trabalhadores da saúde e movimentos sociais ligados à defesa dos direitos das mulheres e das crianças, a mudança inicialmente anunciada resultaria em precarização do serviço e risco à privacidade e à segurança das pessoas atendidas. Para uma servidora que participou da manifestação e pediu para não ser identificada por temer represálias, a repercussão pública foi decisiva para impedir a retirada imediata do programa.

Camila Valadão/Assessoria

Com o recuo da gestão, o Pavivs seguirá funcionando no mesmo espaço onde está instalado há 11 anos, em prédio exclusivo, até que seja realizada a transferência definitiva para o prédio 2 do hospital, na antiga área da ginecologia – local apontado pelos profissionais como adequado para a continuidade do serviço -, em prazo ainda não informado.

Na semana passada, o programa seria removido para uma sala de aproximadamente 3,8 metros quadrados, também nas dependências do Hucam, mas descrito pelos trabalhadores como “uma antiga rouparia situada em um corredor de circulação intensa, com capacidade apenas para uma mesa e uma cadeira”.

Outro agravante foi a comunicação da mudança pela gestão do hospital, vinculada à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), apenas um dia antes da data marcada para a transferência, sem aviso prévio nem garantia de realocação apropriada para o funcionamento do programa. Segundo profissionais da rede de atendimento, a equipe foi informada de que deveria liberar o espaço para a realização de uma reforma que daria lugar a um Banco de Leite Humano.

“Foi a força do movimento social e dos trabalhadores que segurou o programa. Senão, não sabemos o que seriam dos atendimentos”, afirmou uma servidora. Ela explica que os profissionais que atuam no Pavivs são servidores efetivos e que, portanto, não estavam em jogo os postos de trabalho. “O que estava em risco era a qualidade do serviço, o cuidado integral e a não revitimização das pessoas atendidas. Trabalhar em um espaço improvisado comprometeria tudo isso”, reforça.

Hucam

Em nota divulgada nessa segunda-feira (14), a Ufes informou que a gestão central não participou da reunião em que a mudança foi discutida, mas que o reitor solicitou formalmente a suspensão da medida. “Dada a importância do Pavivs e de sua atuação no contexto da violência contra a mulher, qualquer alteração que impacte no atendimento precisa ser melhor entendida, avaliada e comunicada, em comum acordo com a equipe que atua no programa e o hospital”, afirmou o reitor.

Criado há 27 anos, o Pavivs é o programa mais antigo de atendimento a pessoas em situação de violência sexual no Espírito Santo e um dos mais antigos do país. O serviço atende não apenas demandas da Grande Vitória, mas também casos encaminhados de outros estados, como Bahia e Minas Gerais. Atualmente, além do Pavivs, o Espírito Santo conta apenas com atendimentos no Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba) e no Hospital São José, em Colatina, ambos apontados por profissionais como serviços incompletos, sem equipe multidisciplinar integral.

O programa oferece acolhimento especializado, atendimento psicológico e psiquiátrico, encaminhamentos para medidas de proteção, acompanhamento de saúde e a realização da interrupção legal da gestação nos casos previstos em lei. Para os profissionais, a perda de um espaço adequado comprometeria toda a cadeia de cuidado, porque o modelo proposto pela gestão, que previa o compartilhamento de consultórios com outras equipes e a realização de atendimentos sem espaço reservado, exporia as pessoas atendidas a outros pacientes e servidores, ferindo princípios básicos de sigilo, privacidade e cuidado humanizado, apontaram os trabalhadores.

Uma representante do grupo, também sob anonimato, relatou que a maioria das pessoas que chegam ao serviço está em situação de extrema fragilidade emocional e avaliou que qualquer risco de retirada ou descontinuidade do serviço significaria deixar centenas de mulheres, adolescentes e crianças sem acesso a um dos poucos serviços especializados disponíveis no estado.

Enquanto a transferência definitiva para o prédio 2 do Hucam não é formalizada, trabalhadores e movimentos sociais reforçam que permanecem vigilantes. Para eles, o episódio expõe a fragilidade das políticas de enfrentamento à violência sexual e a necessidade de garantir, de forma permanente, estrutura adequada para serviços que lidam com situações extremas de violação de direitos.

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