Quinta, 02 Mai 2024

Juiz quer 'trocar' unidades de internação de adolescentes por bancos escolares

Na contramão do senso comum e do discurso simplista, operadores do Direito, entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente e proponentes de políticas públicas lutam por uma discussão mais aprofundada sobre a aplicabilidade do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), enquanto a sociedade vem cobrando soluções simplistas, como a redução da idade penal. 
 
O juiz Leandro Cunha Bernardes da Silveira, primeiro magistrado da Infância e Juventude capixaba a ocupar a diretoria da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), afirmou que a adoção de escolas em tempo integral pode servir como medida preventiva à criminalidade, além de ser mais barato do que manter internados os adolescentes que cometem infrações. 
 
O magistrado deu entrevista ao site institucional do Tribunal de Justiça do Estado (TJES) e defendeu uma discussão mais profunda sobre as medidas para prevenir a violência infanto-juvenil no País, além do discurso fácil da redução da maioridade penal.
 
Ele considera que o Estatuto é uma das leis mais severas do mundo, já que institui 12 anos como a idade mínima para imputação penal ao adolescente em conflito com a lei, sendo que a situação seria mais bem encaminhada se fossem adotadas medidas preventivas e protetivas para a infância que a própria lei determina. 
 
O magistrado disse que aumento da violência e criminalidade juvenis é uma realidade e é salutar que a sociedade esteja atenta e preocupada com a questão, assim como o Parlamento busque mudanças legislativas para reduzir a gravidade. No entanto, a violência é um fenômeno de múltiplas causas, portanto, é ingênuo e simplista acreditar que bastaria um projeto de lei para reduzir essa violência. 
 
Vendo a questão sob um prisma econômico, o magistrado continuou, é comprovadamente mais barato proporcionar a um estudante uma escola em tempo integral que manter um delinquente num estabelecimento prisional. “Penso ser, urgentemente necessário, o reconhecimento de que será pouco eficiente a estratégia de tornar a lei mais severa para punir um jovem que a transgrida, se apenas por esta senda pretender-se reduzir a violência”, disse ele.
 
 
Além disso, ele ressaltou que a redução da maioridade penal, nos moldes propostos, contraria não apenas à Constituição Federal como também à Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU), ratificada pelo Brasil em 1990 e incorporada, assim, ao direito brasileiro.
 
O juiz ressaltou, também, que o ECA é uma legislação moderna, sintonizada com o que há de mais avançado em termos de proteção integral à infância e juventude em escala mundial, mas a imensa maioria dos mecanismos previstos na norma para proteção aos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes nunca foram adequadamente implementados. 
 
“Na verdade, o Estatuto está longe de ser uma lei tolerante ou leniente com a prática de crimes - a que denomina ‘atos infracionais’ – por adolescentes: em alguns aspectos, como ao estipular a idade de 12 anos como deflagradora da responsabilidade penal juvenil, sujeitando o adolescente, a partir de então, às sanções socioeducativas, alista-se como uma das legislações mais duras do mundo”, disse o magistrado, lembrando que maioria dos países fixa em 14 anos a idade de início da responsabilização. 
 
O juiz Leandro Cunha afirmou que o incremento da violência e das práticas infracionais não pode continuar sendo atribuído exclusivamente ao ECA, mas sim à ênfase na privação da liberdade como quase exclusiva política pública destinada ao adolescente em conflito com a lei, sem que esta, na prática, tenha qualquer efetividade socioeducativa na vida daqueles a quem foi aplicada.
 
Ele salientou que a opinião pública deve ser informada que os problemas atribuídos frequentemente ao Estatuto são, na verdade, causados pela recusa do poder público em dar a esta lei adequado cumprimento.

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