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Juventude Tupinikim bloqueia trilhos da Vale em Aracruz

Movimento denuncia exclusão das decisões do acordo do crime da Samarco/Vale-BHP

Juventude Indígena

A juventude Tupinikim mantém bloqueados, desde a madrugada dessa quarta-feira (22), os trilhos da ferrovia da Vale que corta o território indígena de Aracruz, no norte do Espírito Santo, em protesto contra a condução das decisões da repactuação do acordo de reparação do crime da Samarco/Vale-BHP. O bloqueio ocorre entre as aldeias Córrego e Vila, dentro do território indígena, e não há previsão de encerramento.

De acordo com os indígenas, mais de 100 famílias estão representadas no ato. “Aqui não existe liderança da juventude, porque todos nós estamos juntos no movimento”, explicaram os manifestantes, que pedem para ser identificados coletivamente como Juventude Tupinikim. O movimento denuncia que as decisões sobre o novo acordo de reparação vêm sendo tomadas “a portas fechadas”, sem a participação das comunidades atingidas — o que viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito à consulta prévia, livre e informada a povos e comunidades tradicionais.

“Exigimos respeito e justiça. A Samarco nunca nos ouviu, mas a juventude está firme. Não sairemos até que haja garantia por escrito de que nossas demandas serão atendidas”, aponta. Até o momento, a empresa não enviou representantes ao local do protesto.

Os indígenas afirmam que a primeira fase de indenizações pagas às comunidades impactadas pelos rejeitos da barragem de Fundão, em 2015, foi “feita de forma indevida”. Segundo eles, os valores foram calculados por núcleos familiares chefiados por homens, sem levar em conta as especificidades das mulheres e da juventude indígena.

“A juventude não teve voz. As mulheres não foram devidamente reparadas. O dinheiro vinha em nome do chefe da família, geralmente um homem, e tiveram casos de homens que saíram de casa com o dinheiro, deixando a família à própria sorte”, relata. O grupo também critica a padronização dos valores pagos, independentemente do número de pessoas em cada família. “Tinha família de uma pessoa e família de seis pessoas recebendo o mesmo valor”, critica.

Os Tupinikim denunciam, ainda, a morosidade dos processos judiciais e o descumprimento de acordos anteriores firmados com as mineradoras. “Nós chegamos a fazer um acordo, em 2023, após passarmos mais de um mês ocupando os trilhos, mas as empresas empurram o problema para depois. Quando o juiz começa a decidir ao nosso favor, ele é substituído. Já são dois anos assim”, afirmam. Na ocasião, a Justiça se comprometeu a rever o acordo de reparação e compensação firmado no final de 2021.

O crime da Samarco/Vale-BHP completa dez anos no próximo mês, e os impactos ainda são sentidos nas aldeias. A Juventude Tupinikim relata que a contaminação afeta o rio, o solo, a agricultura e a alimentação tradicional. “Hoje nós não temos mais o rio preservado, não podemos pescar, e até as plantações estão prejudicadas, porque o solo também está contaminado. As empresas dizem coisas diferentes entre si, mas a gente sente no corpo o que está acontecendo”, ressalta.

Segundo a juventude, o número de casos de câncer aumentou nas aldeias. Muitos dos peixes consumidos nas escolas e nas casas precisam vir de fora, já que os peixes locais não são considerados seguros. “Os mais velhos, que viveram uma vida inteira pescando, se negam a parar de comer o peixe do rio. E a gente vê eles morrendo antes do tempo. Antigamente os anciãos viviam até os 100 anos, hoje morrem com 70 ou 80”, destaca. O grupo expõe que, junto com a degradação ambiental, há também a perda de saberes tradicionais. “Esses impactos são incontáveis. É a cultura, a alimentação, o território, tudo sendo atingido”.

O protesto também expressa insatisfação com o governo federal devido ao novo acordo de repactuação. A Juventude Indígena afirma que não foi consultada durante as negociações e que o processo exclui as vozes das comunidades atingidas. O grupo cobra a presença da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, no território. “São dez anos de um crime que ainda continua. Queremos uma reparação justa e a presença do governo aqui, não só em Brasília”.

Os manifestantes também protestam contra o silenciamento do tema em espaços internacionais. Segundo eles, foi proibido falar sobre a poluição causada pela Samarco durante a Conferência das Partes (COP). “Até em espaços de debate global, o assunto é silenciado. Parece que querem esconder o que acontece aqui”.

Juventude Indígena

O Novo Acordo do Rio Doce prevê a destinação de R$ 8 bilhões aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, o que faz parte do chamado Anexo 3, firmado após a homologação judicial em outubro de 2024. Esse anexo é inédito, pois o acordo anterior, que chegou a ser proposto em 2022, não previa recursos específicos para esses grupos e extinguia boa parte das obrigações das mineradoras, como a retirada dos rejeitos de mineração e o monitoramento das áreas atingidas. No novo formato, o governo alegou que “buscou garantir autonomia e participação direta das comunidades no uso dos recursos”, mas a principal crítica dos povos indígenas é que eles não foram nem têm sido devidamente consultados.

De acordo com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), os valores serão distribuídos conforme as prioridades definidas pelas próprias comunidades, por meio de um processo de consulta que deve durar até março de 2026. Os repasses serão feitos ao longo de 20 anos, e os recursos poderão ser aplicados em três eixos principais: o primeiro, de verbas assistenciais, cobre um período inicial de 18 meses após a homologação, com possibilidade de prorrogação por mais 72 meses por unidade familiar, caso as comunidades aceitem o acordo; o segundo é o das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs), com investimento total previsto de R$ 698 milhões, destinadas a garantir o acompanhamento técnico e jurídico das populações durante o processo de reparação; e o terceiro contempla medidas estruturantes coletivas, voltadas à reconstrução e melhoria das condições nos territórios atingidos, de acordo com os impactos identificados pelas próprias comunidades em modelo de autogestão.

Os valores dentro dos R$ 8 bilhões reservados ao Anexo 3 foram divididos em R$ 1,59 bilhão para os povos Tupinikim e Guarani e R$ 108 milhões para os Puri (Minas Gerais), caso as comunidades aceitem os termos propostos. Esses montantes foram definidos com base no número de famílias, na extensão dos territórios e na gravidade dos danos ambientais, sociais e culturais sofridos por cada povo, segundo o governo federal.

Apesar do Governo Federal afirmar que o processo de consulta está em curso, as lideranças indígenas apontam que a questão central do impasse é a garantia de protagonismo e de reparação justa, sem imposição de prazos ou valores definidos sem o devido diálogo. O formato das reuniões realizadas, que teriam caráter apenas informativo e não consultivo, também é criticado, assim como a falta de compromisso da União em assegurar a consulta real, enquanto as comunidades seguem enfrentando os impactos em seus modos de vida, na espiritualidade e na relação com o território.

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