Rosely Pires destaca que a falta de rede de apoio deixa crianças e adolescentes mais vulneráveis
Um levantamento feito pela Polícia Científica do Estado do Espírito Santo (PCIES), por meio do Departamento Psicossocial (DEPSIC) do Instituto Médico-Legal (IML) de Vitória, mostra que 69% dos casos de violência sexual atendidos no Espaço Lilás têm como vítimas pessoas com a faixa etária de 0 a 17 anos, portanto, crianças e adolescentes.
Entre 2019 e 2024, o Espaço Lilás, que tem como objetivo fazer exames periciais por solicitação dos delegados da Polícia Civil, da Polícia Federal e Ministério Público, realizou 6,5 mil exames de sexologia forense. A maior parte das vítimas atendidas era do sexo feminino: 82%, portanto, 5,3 mil. Dentro desse grupo, 69%, ou seja, 4,5 mil, eram meninas menores de idade. A média anual da unidade é de aproximadamente 1,1 mil exames por ano.
A coordenadora do programa de extensão e pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Fordan: cultura no enfrentamento às violências, Rosely Pires, aponta que, em sua maioria, crianças e adolescentes vítimas de violência sexual são negras e periféricas. Além disso, os abusos normalmente acontecem dentro de casa. “São pessoas que têm acesso à criança, como pai, padrasto, avô, tio, irmão, primo, padrasto, padrinho, vizinho e amigo”, elenca.

Diante desse cenário, Rosely destaca que não se pode concluir que o homem negro e periférico é abusador, mas sim, que falta rede de apoio às famílias periféricas no cuidado com as crianças, principalmente às mães. “A criança da periferia não tem rede de apoio. Vão para a escola sozinhas, ficam em casa sozinhas. Nesse meio tempo tem um tio, por exemplo, que mora ao lado e tem acesso”, diz.
Rosely aponta a necessidade de o Estado olhar para o perfil das vítimas e formular políticas de prevenção à violência sexual. Ela sugere escolas em tempo integral “com acolhimento adequado, que não sejam um depósito de criança”. A professora também destaca a atuação dos centros de cultura, como o projeto Caminhando Juntos (Cajun), da Prefeitura de Vitória, que realiza atividades culturais.
O Cajun, afirma Rosely, atende crianças em situação de vulnerabilidade social. Contudo, ela defende que não pode haver essa restrição, uma vez que a criança precisa ter acesso ao equipamento para estar protegida, manter a família estruturada, não precisando chegar à situação de vulnerabilidade para ter direito ao atendimento.
Rosely também aponta que, principalmente a partir do Governo Bolsonaro (PL), o Conselho Tutelar, em muitos casos, foi “um espaço dominado por processos de conservadorismo”. Assim, acaba faltando uma formação técnica, e prevalece uma formação mais religiosa, fazendo com que o Conselho Tutelar, que deve ser uma rede de apoio, em vez de proteger, acabe vulnerabilizando. Por fim, Rosely aponta que a fala da criança normalmente não é valorizada.