Suzano foi condenada por ter adquirido áreas de forma fraudulenta

O Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) entraram na Justiça, na última sexta-feira (17), com duas ações de execução provisória de sentença para garantir a titulação de terras localizadas no norte do Espírito Santo em favor de comunidades quilombolas do Sapê do Norte. As áreas ainda estão sob o domínio da Suzano Papel e Celulose (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria), apesar da decisão judicial que anulou os títulos de propriedade.
Os órgãos pleiteiam que o governo do Espírito Santo apresente, no prazo de 30 dias, um cronograma de início das medidas adotadas para a emissão dos títulos de propriedade em favor das comunidades quilombolas que, tradicionalmente, ocupam as áreas. Também requerem expedição de ofício aos Cartórios de Registro de Imóveis de São Mateus e Conceição da Barra para que promovam, com urgência, a declaração de nulidade dos títulos de domínio dos imóveis.
Em outubro de 2021, o juiz federal Nivaldo Luiz Dias condenou a Suzano, o Estado do Espírito Santo e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) por fraudes na titulação das terras devolutas. Durante o processo, foi constatada a utilização de “laranjas” pela empresa para a obtenção irregular das áreas, de 1973 a 1975.
Em sua decisão, o juiz federal determinou a nulidade de 30 matrículas de imóveis registradas de forma fraudulenta. Também condenou o Estado do Espírito Santo “a titular as terras devolutas que reverteram ao patrimônio público estadual em virtude da declaração de nulidade”, com base na Constituição Federal e no art. 3º da Lei Estadual 5623/1998.
Ao BNDES, foi determinado que “suspenda qualquer operação de financiamento direto, indireto ou misto” à empresa em Conceição da Barra e São Mateus e, aos Cartórios de Registro de Imóveis nos dois municípios, que “façam constar o ônus nas respectivas matrículas”. Em uma segunda ação judicial, a Suzano foi condenada ao pagamento de R$ 1 milhão como reparação por danos morais coletivos, a serem direcionados ao Fundo de Direitos Difusos.
A esmagadora maioria dessas áreas incorporadas pela Suzano está sobreposta a territórios de comunidades quilombolas que reivindicam as terras há décadas. A Fundação Cultural Palmares já certificou mais de 30 comunidades no Sapê do Norte.
Mesmo assim, as ações judiciais relacionadas à “grilagem” de terras da Suzano continuam em tramitação, e as comunidades quilombolas seguem em risco. A Justiça Estadual chegou a se posicionar favoravelmente a uma ação de reintegração de posse contra quilombolas que vivem na área denominada Fazenda Estrela do Norte, que faz parte do território quilombola de Angelim 1, em Itaúnas, Conceição da Barra. A medida foi revertida pela Justiça Federal em setembro, às vésperas da ação de reintegração.
Ao requerem a aplicação imediata das determinações da sentença, o MPF e o Incra citam artigo do Código de Processo Civil, que diz que “o cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo será realizado da mesma forma que o cumprimento definitivo”.
“É crucial sublinhar que o direito de propriedade dos remanescentes de quilombos, assegurado pelo Art. 68 do ADCT [Ato das Disposições Constitucionais Transitórias], é um direito fundamental de eficácia plena e aplicação imediata. Destaque-se que o art. 12, do Dec. 4.887, determina que, identificada a sobreposição de território quilombola à área pública estadual, caberá a esse ente o dever de realizar titulação”, ressaltam.
O MPF e o Incra reivindicam também que a Suzano se abstenha de praticar atos de exploração, uso ou posse dos imóveis. Isso inclui: “venda, oneração ou qualquer forma de alienação da terra, cercamento, desmatamento ou alteração da área, plantação ou qualquer espécie de utilização da terra”. Também é destacado que a sentença impede o BNDES de financiar atividades nas áreas em questão.
“Dessarte, a aquisição fraudulenta e a consequente nulidade do domínio tornam a ocupação da Suzano precária e injusta. A detenção é uma situação de fato que não gera os efeitos jurídicos da posse, sendo insuscetível de ser defendida por meio de ações possessórias”, dizem o MPF e o Incra.
Empregados ‘laranjas’
A sentença de 2021 traz longas citações às informações levantadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Aracruz, realizada pela Assembleia Legislativa em 2002 (Resolução 2028/2002), que baseou a elaboração da ação civil pública pelo MPF e evidenciou que “a Aracruz utilizou seus funcionários como ‘laranjas’ para obter a titulação de grandes extensões de terra pública em completa violação à legislação vigente à época”.
A investigação legislativa, afirma o magistrado, “relata que os empregados da Aracruz fizeram declarações falsas perante o Departamento de Terras e colonização do Estado do Espírito Santo DTC, órgão responsável pela regularização fundiária, visando a indevida obtenção de títulos de terras devolutas para a empresa; (…) que a pedido da Aracruz se limitavam a assinar os documentos previamente preparado pela empresa, inclusive sem receber nenhum valor como contraprestação pela utilização de seus nomes (…); que, após a legitimação da posse das terras devolutas com a titulação, elas eram transferidas imediatamente às empresas do Grupo Aracruz Celulose e que, na maioria dos casos, o período em que permaneciam na empresa não excedia sem mesmo uma semana. Afirmando que os registro imobiliários a de transferência de domínio dos empregados para as empresas do Grupo Aracruz”.
A sentença ressalta ainda que “algumas das terras devolutas fraudulentamente tituladas em favor do grupo Aracruz são objeto de procedimentos administrativos perante o Incra visando à regularização de terras quilombolas” e que, “ocorrendo a conclusão dos estudos pelo Incra que identificam e delimitam a terra quilombola será viável a sobreposição entre terra quilombola e terra devoluta fraudulentamente titulada”.

