Mulheres negras capixabas marcham por memória e justiça social na Serra
“Desde 2015, marchamos pelo nosso bem-viver. Dez anos depois, entendemos que não existe bem-viver sem reparações históricas. Não só histórica, mas também contemporânea, porque o racismo continua. O racismo continua nos matando. Matou ontem, mata hoje, e se não nos levantarmos contra isso, vai continuar nos matando no futuro”. A fala de Fátima Tolentino da Silva, da Coordenação Nacional das Entidades Negras (Conen) e militante do Movimento Negro Unificado, resume a luta representada por mulheres negras de diferentes territórios capixabas que ocuparam a Avenida Central de Laranjeiras, na Serra, na tarde desta sexta-feira (25).

O ato, que marcou a etapa estadual da mobilização, prestou homenagem direta ao Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, celebrado em 25 de julho; denunciiou as desigualdades estruturais que ainda persistem; e cobrou políticas públicas com foco em “reparação e bem-viver”, lema da 15ª edição da Marcha das Mulheres Negras que reúne milhares na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
Ao longo do trajeto, a marcha também reuniu representantes de organizações, como o Movimento Negro Unificado (MNU) e a Associação de Juristas Negras Capixabas (AJNC), além de coletivos e as vereadoras Paula Rocha (Psol/Vitória), Patrícia Crisanto (PSB/Vila Velha), Açucena (PT/Cariacica) e Professora Valdirene (PT/São Mateus).
“O bem-viver quer dizer que você tem o direito a comer, a ter moradia, não viver sob violência, e ter oportunidade e equidade para a população negra, para as mulheres negras. Queremos viver, e não sobreviver, sem trabalhar como escravizadas, porque ainda hoje, a maioria das mulheres negras trabalha o dia inteiro, finais de semana, e não para ela mesma — é para enriquecer o outro. E mesmo assim, não temos reconhecimento. As políticas públicas ainda não são para nós como deveriam ser”, reforça Fátima.
Ela aponta a necessidade de um recorte racial para desenvolver políticas públicas efetivas para essa população, que sofre os piores efeitos da desigualdade racial, da violência patriarcal e de um modelo de desenvolvimento que exclui e adoece.

Militantes caminharam pela cidade mais populosa do Espírito Santo, majoritariamente negra e também uma das mais impactadas pela degradação ambiental provocada pela lógica de expansão urbana e industrial que prioriza o lucro sobre a vida, reivindicando a garantia de direitos que seguem violados, com bandeiras e cartazes denunciando o feminicídio, o genocídio da juventude negra e a invisibilidade política.
Valdirene alertou para a destruição de um local sagrado da memória negra de São Mateus. “Passaram uma máquina por cima da história do povo preto do município, onde mulheres como Zacimba Gaba e Constância de Angola lutaram. Foi a Suzano [ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria]. E nós não podemos deixar isso se apagar. A história do povo preto tem que ser contada pelo povo preto!”, enfatizou.
Apesar de reconhecer o fortalecimento da organização das mulheres ao longo desses dez anos, Ana Paula Rocha destacou o agravamento da violência e da vulnerabilidade a que as mulheres negras estão submetidas. “Nossa denuncia é que, apesar de termos conquistado ações afirmativas com muita luta, a desigualdade continua nos vulnerabilizando. E o feminicídio e os crimes sexuais contra meninas e mulheres negras estão aumentando”, destacou.
Ela apontou ainda a importância de ampliar a presença de mulheres negras nos espaços de decisão. “Sem mulher negra organizada, não há democracia verdadeira, e nós temos que estar nos espaços de poder para transformar a política, a economia, a cultura”, defende.
Além de celebrar a potência criativa da luta, com apresentações de artistas negras, o ato também denunciou a violência estatal; a letalidade policial; o encarceramento em massa; e a precarização do trabalho.
Para Tatiana Rosa, da Secretaria de Educação da Serra, pensar o bem-viver é pensar o mínimo de humanidade que essas mulheres precisam conquistar por meio de políticas públicas efetivas. “Se precisamos ir para as ruas, é porque ainda há uma urgência. O bem-viver é o direito a comer, morar, não sofrer violência. É sobre tempo para viver, não só trabalhar para enriquecer os outros”, afirma.
Ato nacional
Além da marcha, as participanes se reúnem neste sábado (26) para o Encontro Estadual de Mulheres Negras Capixabas, no Clube da Boa Convivência, no Parque Residencial Laranjeiras, na Serra, das 9h às 17h. As inscrições, gratuitas, podem ser feitas neste link até atingir o limite de vagas, que são 150. No final do encontro, será feita uma carta, a ser entregue ao Governo do Estado, deputados estaduais, federais e senadores da bancada capixaba.
O documento também será entregue, junto com as dos demais estados, para a coordenação da Marcha Nacional, que será em 25 de novembro, para contribuir na elaboração da carta nacional. A programação do encontro contará com palestras e Grupos de Trabalho (GTs). Uma das palestrantes será a ativista antirracista e especialista em políticas públicas Ana Lúcia da Silva, de Minas Gerais.