Juventude mantém bloqueio de trilhos e divulga carta contra acordo de repactuação

Com pedido de reintegração de posse ainda sem definição pela Justiça, a Juventude Indígena de Aracruz, no norte do Estado, mantém o bloqueio do trecho da ferrovia Vitória a Minas (EFVM) nesta segunda-feira (27), completando seis dias de protesto. A ação foi movida pela Vale, que responde junto com a BHP Billiton pelo crime da Samarco. Os indígenas denunciam os acordos de repactuação firmados até agora, que apontam como “violência institucional e apagamento”.
Em carta-manifesto publicada nesse fim de semana, a Juventude Indígena dos Povos Originários Tupinikim e Guarani reafirma sua indignação. O texto – que começa com o apelo “pelo direito de sermos ouvidos, pela escuta qualificada, por justiça e pela reparação digna” – critica duramente o chamado Novel Indígena, acordo firmado em 2021, e o Novo Acordo Rio Doce (Nard), assinado em 2024 entre as empresas e os governos federal e estaduais. Para os jovens indígenas, esses pactos foram feitos “às escondidas, de forma sorrateira e desonesta, em flagrante violação aos princípios constitucionais e aos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário”.
“Chamamos esse acordo pelo que ele é: o pior de toda a calha da Bacia do Rio Doce. Um instrumento de apagamento, violência institucional e destruição cultural”, diz a carta. A Juventude Indígena afirma que as comunidades foram excluídas das negociações, mesmo após anos de reivindicação por uma escuta qualificada e pelo cumprimento da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê consulta livre, prévia e informada em decisões que afetem povos originários. “Nunca fomos ouvidos, as empresas nunca respeitaram nossas demandas”, escreveram os indígenas.
Os jovens reafirmam a continuidade das ações de resistência e cobram diálogo direto das empresas envolvidas enquanto aguardam as respostas das instituições. “Nós seguimos cobrando um compromisso das empresas. Entramos em contato e agora estamos esperando umaa resposta”, completam.
O grupo também alerta para o prazo de encerramento do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), previsto para março de 2026 — o mesmo período limite da repactuação. Caso o novo pacto seja consolidado com a adesão dos povos indígenas, o documento prevê que as comunidades ficarão vinte anos sem poder recorrer de qualquer decisão ou reparação, o que, segundo eles, ameaça o direito de reivindicar novos danos e revisões futuras. “Não tem limite para os danos serem reparados, mas temos prazo para recorrer”, destaca uma das representantes da juventude.
A carta apresenta uma lista de reivindicações, que inclui a anulação ou revisão do acordo “Novel Indígena”; o reconhecimento como titulares de direito; a manutenção do Auxílio de Sustentabilidade Emergencial até que as condições de vida retornem ao patamar anterior ao crime; e o pagamento de indenizações justas, de acordo com a matriz de danos reconhecida pelas próprias comunidades. “Nossos direitos não estão à venda. Nossos rios, mares e florestas não se indenizam com dinheiro. Nossa história e nossa vida são sagradas”, afirmam os jovens.
Eles também denunciam a omissão do Estado brasileiro, que, segundo o texto, teria se alinhado aos interesses das mineradoras ao assinar o Novo Acordo Rio Doce sem a participação indígena. “Um golpe direto contra os direitos indígenas, que ignora, novamente, a escuta livre, prévia e informada”, reiteram.
O manifesto lembra ainda que o dia 5 de novembro marcará os dez anos do crime da Samarco/Vale-BHP, considerado o maior da história do país. “Uma década de promessas vazias, impunidade e dor”, descrevem os jovens. “As águas continuam contaminadas, as terras degradadas, as promessas esquecidas. Mulheres, crianças e jovens continuam sem reparação justa. Famílias inteiras foram deixadas de fora, sem auxílio emergencial, sem dignidade, sem esperança”.
A a juventude reforça o tom de resistência e compromisso com a memória dos povos originários. “Chegamos ao nosso limite. Repetidas vezes apresentamos nossas demandas e, internamente, até somos ouvidos, porém externamente somos silenciados. Mas não nos calaremos. Nossa oralidade agora é escrita e ecoa como um grito de resistência”, enfatiza o texto, assinado apenas como Juventude Indígena dos Povos Originários de Aracruz, que afirma preferir ser reconhecida como coletivo, e não por nomes individuais. “Nosso compromisso é com a verdade, a justiça e a memória. Seguiremos firmes, unidos e combativos, na defesa da reparação integral – social, ambiental, cultural e espiritual”, conclui o manifesto.

