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‘Políticas não acompanham envelhecimento das pessoas com deficiência’

Idosos são maioria, mas vivem abandono e isolamento, alerta ativista Lúcia Martins

Apesar de o Espírito Santo contar com mais de 268 mil pessoas com deficiência (PCDs), e a maioria delas ter mais de 60 anos, as políticas públicas continuam voltadas, majoritariamente, à infância e à adolescência. Essa desconexão entre as ações do Estado e o perfil etário dessa população tem como consequências o isolamento social, a exclusão educacional e o apagamento da cidadania na vida adulta, como destacam a ativista Lúcia Martins, do coletivo “Mães Eficientes Somos Nós”, e o professor do Centro de Educação da Universidade Federal do Estado (Ufes) Douglas Ferrari. 

Em 2022, do total de 3,7 milhões de habitantes com dois anos ou mais de idade no Estado, 268,8 mil (ou 7,2%) eram pessoas com deficiência, como mostram dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicados nessa sexta-feira (23). O fato de que a maioria da população com deficiência está envelhecendo sem suporte adequado é uma das maiores preocupações para aqueles que atuam na área. Eles descrevem uma política fragmentada, pontual e desarticulada. “Não existe continuidade. Os jovens saem da escola e cadê as políticas para o adulto com deficiência? Para o idoso com deficiência?”, questiona Lúcia.

Douglas Ferrari também observa que as políticas não acompanham o envelhecimento das pessoas com deficiência. Em sua avaliação, o Estado pensa ações para o homem de 0 a 19 anos e não acompanha a mobilidade desse sujeito ao longo da vida. “O que temos de mais robusto é a política de educação. Falta pensar o acesso à saúde, assistência, cultura, porque hoje é como se não tivéssemos direito à arte, ao prazer, à recreação”, afirma.

Os dados da PNAD Contínua de 2022 comprovam essa realidade. Enquanto apenas 9,7% das pessoas com deficiência têm entre 15 e 29 anos, 34% estão na faixa de 60 a 79 anos e 12,6% têm 80 anos ou mais – números muito superiores aos observados na população sem deficiência, onde apenas 1,5% tem 80 anos ou mais. 

Para Lúcia Martins, esse abandono é visível em várias frentes. “A maioria das pessoas com deficiência é adulta e as políticas públicas não compreendem esse sujeito. Não existem ações voltadas a essa fase da vida”, reforça.

Analfabetismo e exclusão

Um dos retratos mais críticos da exclusão dessa população aparece na educação. A taxa de analfabetismo entre pessoas com deficiência com 15 anos ou mais no Espírito Santo chegou a 19,5% em 2022. Isso representa mais do triplo da taxa da população geral (5,3%) e quase cinco vezes a taxa das pessoas sem deficiência (4%). Esse índice fere frontalmente a Meta 9 do Plano Nacional de Educação (PNE), que previa a redução da taxa de analfabetismo para 6,5% até 2015 e sua erradicação até 2024.

“É um dado alarmante. Por que essa população ainda não tem acesso à educação se ela é um direito universal?”, questiona Lúcia. “O que está acontecendo com essa política pública? Será que precisamos discutir a institucionalização dessas pessoas? Se elas não estão na escola, onde estão? Estão nas instituições, escondidas”, denuncia.

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Os dados mostram que 64% das pessoas com deficiência com 25 anos ou mais não completaram o ensino fundamental, enquanto esse índice é de 32% para pessoas sem deficiência. Apenas 7,1% das pessoas com deficiência concluíram o ensino superior, contra 19,4% da população sem deficiência.

Essa baixa escolarização também compromete a autonomia e condições socioeconômicas dessa população, alerta a ativista. “As consequências do analfabetismo são muitas: falta de perspectiva de vida, de acesso ao mercado de trabalho, o que interfere na autonomia desses sujeitos. Muitos continuam invisibilizados por toda a vida e vão depender exclusivamente do BPC [Benefício de Prestação Continuada]”, pontua.

Douglas complementa com uma comparação com os dados do Levantamento de Dados Socioeconômicos de Pessoas com Deficiência do Espírito Santo, divulgado pela Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH) em março de 2023. “Mais de 30% das pessoas com deficiência não concluem o ensino médio e cerca de 70% estão no mercado informal. Não é coincidência, precisamos entender que o capacitismo é estrutural e estruturante, e isso impacta diretamente na elaboração de políticas públicas”, destaca.

Apesar de existir legislação que garante prioridade de matrícula às pessoas com deficiência, o problema começa com o desrespeito a essa prioridade, aponta Lúcia, que defende o cumprimento da legislação vigente como primeiro passo para reverter esse quadro. “Precisamos começar respeitando o que já está na lei. Se fosse respeitada, mais pessoas com deficiência estariam na escola. E o Estado precisa fazer sua parte para garantir a permanência e o aprendizado, que vai impactar diretamente na autonomia dessa população”, reforça.

Para Douglas, mesmo quando conseguem acessar a escola, muitos não concluem a educação. “Falta estrutura, formação de professores e trabalho integrado”, aponta. Ele destaca ainda a dimensão socioeconômica do problema. “Para muitas pessoas com deficiência, a maior limitação não é a deficiência em si, mas a situação econômica”, considera.

Prevalescência

Os dados do Censo 2022 mostram ainda a diversidade das deficiências mais prevalentes no Espírito Santo. Entre as 268,8 mil pessoas com deficiência, 144,3 mil tinham dificuldade de enxergar; 100,8 mil tinham dificuldade para andar ou subir degraus; 53,2 mil tinham limitações para se comunicar, realizar cuidados pessoais, trabalhar ou estudar; e 52,4 mil tinham dificuldades motoras finas, como pegar pequenos objetos ou abrir tampas. Já 46,5 mil pessoas apresentavam dificuldade auditiva. Além disso, 51 mil declararam ser autistas.

A presença de pessoas com deficiência está em 15,4% dos domicílios capixabas. No recorte por sexo, as mulheres são maioria: 152,1 mil, contra 116,7 mil homens. A partir do recorte por cor ou raça, os dados indicaram que a maioria das pessoas com deficiência no Espírito Santo se identificava como de cor ou raça parda ou branca. Havia cerca de 129,5 mil pessoas pardas com deficiência e 102,8 mil pessoas brancas com deficiência. Em seguida, vinham as pessoas pretas com deficiência com aproximadamente 34,9 mil; indígenas com 1,3 mil e amarelas com 331. 

Censo estadual

Douglas defende a realização de um Censo Estadual da Pessoa com Deficiência no Espírito Santo, com metodologia porta a porta, diferente do modelo adotado no Censo Nacional, que foi realizado por amostragem. Segundo ele, esse tipo de levantamento aprofundado é fundamental para conhecer, de forma mais precisa, o perfil socioeconômico das pessoas com deficiência, a composição familiar, as condições de acesso às políticas públicas e aspectos fundamentais como as redes de apoio e o perfil dos cuidados.

“Pode ser que o recenseador esteve em uma casa que tem duas pessoas com deficiência cadeirante, uma idosa, com alguma ordem de mobilidade reduzida que não foi perguntada. Então, o Estado do Espírito Santo tem condições técnicas, financeiras, de fazer um censo porta-a-porta da pessoa com deficiência”, argumentou.

Douglas também relaciona essa necessidade à sua pesquisa sobre o que chama de “Geografia da Deficiência”. Ele explica que esse campo permite perceber quem são as pessoas com deficiência que conseguem prosseguir em seus percursos e aquelas que, pelas barreiras impostas, acabam não conseguindo. “Nesse estudo da Geografia da Deficiência, a gente começou a observar que tinha o que eu chamo de capacitismo espacial, uma palavra que eu cunhei, que demonstra como onde a pessoa mora interfere na acessibilidade, no acesso aos direitos e aos bens públicos”, explicou.

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