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Produtores contestam desapropriações para ‘Aeroporto das Montanhas’

Moradores de Alto Caxixe, em Venda Nova, criticam impactos e falta de escuta popular

Moradores de Alto Caxixe, em Venda Nova do Imigrante, que serão afetados pela implantação do Aeródromo Público da Região Serrana, temem os impactos do empreendimento conduzido pela Secretaria de Mobilidade e Infraestrutura (Semobi). O processo administrativo de desapropriação da área destinada à construção ainda está em andamento e o projeto avança em fase de estudos técnicos e administrativos, antes da licitação para o início das obras.

As propriedades localizadas no terreno delimitado que receberá as intervenções foram declaradas de utilidade pública “para fins de desapropriação”, em decreto assinado pelo vice-governador Ricardo Ferraço (MDB), em maio deste ano, surpreendendo as famílias que vivem há décadas na região. O grupo afirma que não foi comunicado sobre as mudanças antes de serem confrontadas com a possibilidade de remoção a partir de informações sobre o empreendimento veiculadas na imprensa capixaba.

O Aeroporto Regional das Montanhas Capixabas integra o Programa de Aviação Regional do Governo do Espírito Santo, com investimento estimado em cerca de R$ 75 milhões. Quase seis meses depois do decreto, que autoriza inclusive a imissão imediata na posse de diversas áreas rurais caso o Estado alegue urgência, o governador Renato Casagrande (PSB) voltou a confirmar, recentemente, que assinará as desapropriações para efetivação da pista do chamado “Aeroporto das Montanhas”.

O anúncio consolidou o temor de famílias que vivem há quatro gerações no território e criticam a medida por não terem sido ouvidas em nenhum momento do processo. Apesar de ainda não haver cronograma divulgado, moradores argumentam que o início da fase de desapropriação indica que o governo está acelerando o projeto.

Reprodução

Além da gestão Casagrande e da Prefeitura de Venda Nova do Imigrante, chefiada por Dalton Perim (Republicanos), a proposta também recebeu apoio do prefeito Hugo Luiz (PP), de Alfredo Chaves; Lidiney Gobbi (PP), de Marechal Floriano; Luciano Roncetti (PP), de Afonso Cláudio; e Eduardo José Ramos (PL), de Domingos Martins.

Em setembro, o clima de insegurança se agravou após audiência pública realizada no município. “Nós não conseguimos falar. Saímos de lá com a sensação de que nossas vidas já estavam decididas sem nós”, critica o produtor Eduardo Peterle, que teve sua propriedade incluída na área destinada ao empreendimento.

Ele relata que, ao comparecer à audiência, imaginava que teria direito à palavra, por ser diretamente afetado pela desapropriação, mas aponta que o público foi impedido de se manifestar. “Eu estava lá desde cedo, me inscrevi, pedi para falar. Mas a audiência foi sendo tocada de forma que não abriu espaço para nós. Percebi que quem tinha falas longas e garantidas eram os representantes da empresa, do governo e das prefeituras”, afirma.

O produtor acrescenta que os moradores continuam cobrando transparência sobre o projeto. “A equipe do governo fala que vamos ter ‘indenização justa’, mas ninguém explica os critérios. Minha terra sustenta minha família há décadas. Como eles colocam preço na nossa história?”, questiona.

Outro ponto de contestação é a classificação da obra como de interesse público, quando o texto oficial não fala em aviação comercial. Eles observam que o aeródromo será destinado a aeronaves de pequeno porte. “É uma pista para jatinho. Não vai ter voo comercial nenhum. O povo acha que vai embarcar daqui, mas é mentira. Eles não falam a verdade”, alerta Dilceia Peterle, agricultora que terá toda sua propriedade desapropriada.

Eles destacam, além dos impactos financeiros e no modo de vida local, a preocupação com os danos ambientais e paisagísticos do empreendimento. “A terra onde nós estamos foi do pai do meu sogro, passou para o meu marido e planejávamos construir as casa dos nossos filhos. E, do nada, vamos perder tudo?”, questiona Dilceia. Apesar de procurar informações, ela afirma que o governo não apresentou detalhes concretos sobre os impactos, valores de indenização ou alternativas para realocação.

Segundo a proprietária do terreno, apenas na área imediatamente afetada pelo traçado planejado da pista estão cinco famílias de produtores rurais, mais de 25 moradores de um condomínio já iniciado e outras dezenas que compraram lotes em um loteamento vizinho. “Impacta não só o dono. O colono, o meieiro, todo mundo que vive do cultivo aqui vai ser afetado. A produção inteira acaba”, afirma.

Outra preocupação é com a proximidade de aeronaves, que vai fazer com que alguns cultivos deixem de existir, mesmo fora da área desapropriada. “Onde tem aeroporto, tem zona de proteção. Certos cultivos não podem mais, porque atraem pássaros. E um pássaro na turbina causa acidente. Então nem plantar nós vamos poder”, lamenta.

Apesar do discurso oficial de que o aeroporto impulsionaria a economia local, os agricultores e comerciantes rebatem a narrativa. Para Eduardo, o empreendimento “não vai girar a economia local”, porque o público pretendido “que tem avião próprio”, não consumiria no comércio local. “Lá dentro vai ser tudo fechado, tipo um resort. Quem entrar não vai sair para visitar mercearia, padaria, nada. Aqui no Caxixe a única coisa que vai chegar é barulho de avião 24 horas”, prevê.

Dilceia também avalia que a riqueza produzida “não vai ficar na comunidade”. “Esse movimento não melhora a vida de quem mora aqui, nós que vivemos da terra, do que construímos geração após geração. Eles falam em valorização, mas o lucro é para quem vai comprar e vender lá dentro, não para nós”. Ela considera que o projeto atende a um grupo restrito de empresários e investidores.

“É uma pista construída com dinheiro público para beneficiar empresários, enquanto prejudica os produtores e pequenos comerciantes”. Ela teme que a região repita exemplos de aeroportos subutilizados “E se não der certo? Pagam uma merreca para gente e fica igual Cachoeiro, igual Linhares: pista inútil, e nós sem nosso único pedacinho de terra”.

Ela justifica a preocupação do grupo porque a indenização oferecida pelo Estado considera apenas o valor bruto da terra, sem levar em conta tudo o que foi construído ao longo das décadas de ocupação, como a produção agrícola, as benfeitorias feitas pela família, a renda que a área garante e o vínculo construído com o território.

Eduardo faz coro e diz que o Estado paga barato por um terreno que, integrado ao empreendimento privado, passa a valer muitas vezes mais. “Nós perdemos tudo o que temos para o lugar virar puxadinho de bilionário”, conclui. Dilceia reforça que a quantia não permite recompor a vida em outro lugar. “Comprar outra terra onde? Com o que vão dar? Não reconstrói nossa vida”. Ambos projetam que, mesmo com pagamento, a indenização não vai garantir a compra de uma área equivalente, nem devolver a estrutura produtiva que garante a sobrevivência das famílias.

Eles relatam que as desconfianças crescem na medida em que o poder público silencia, enquanto circulam rumores sobre a instalação de um grande resort na antiga fazenda Nova Trento, que pertenceu à família do ex-bilionário Eliezer Batista, pai de Eike Batista, vendida a investidores interessados no empreendimento turístico. “O que se comenta é que essa pista interessa a pessoas de grandes posses, de São Paulo, do Rio de Janeiro, que viriam para esse resort gigante”, prossegue. “Parece que tudo já está decidido. Vão assinar, tomar a terra e pronto. Nós ficamos tentando entender onde está o nosso direito”, resume

Em um abaixo-assinado organizado pelos moradores, eles afirmam que “o território abriga agricultores familiares responsáveis pelo abastecimento de feiras, hortifrutis e mercados da região, cujo trabalho será inviabilizado caso o condomínio industrial avance sobre suas terras”. O texto já reúne mil assinaturas contrárias a implementação do aeroporto.

Procurada por Século Diário, a Secretaria de Estado de Mobilidade e Infraestrutura (Semobi) se limitou a informar que o aeroporto “segue avançando nos trâmites administrativos” e justifica a decisão pela área com base em “critérios técnicos e operacionais definidos pelas autoridades aeroportuárias, como os cones de aproximação, margens, inclinação e demais requisitos necessários para garantir a segurança e a viabilidade das operações”.

O órgão informou ainda que o projeto prevê “uma pista de aproximadamente 1,3 mil metros, com capacidade para receber aeronaves de porte regional, como o modelo ATR-42, e operação em períodos diurno e noturno”. O objetivo seria “ampliar a infraestrutura logística e de transporte aéreo do Estado, fomentando o turismo, o escoamento de cargas e o atendimento a demandas de defesa social e emergências”. “O governador do Estado já autorizou o avanço dos estudos e o início do processo de desapropriação na região”, destaca o texto oficial. “Os valores e o cronograma da obra ainda estão em definição, a partir da conclusão dos estudos técnicos e ambientais em andamento”, conclui.

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