Propostas que restringem direitos avançam em Vila Velha, Serra, Cariacica e Guarapari
Mais de dez projetos de lei com conteúdo considerado anti-LGBTQIA+ foram apresentados ou seguem em tramitação nas câmaras municipais de três das principais cidades da Grande Vitória, como mostram dados disponibilizados pelos sites legislativos. Embora a Capital não registre proposições com esse teor atualmente, Serra, Vila Velha e Cariacica têm propostas que visam proibir a participação de crianças em Paradas do Orgulho, impedir eventos com temáticas LGBTQIA+ em escolas públicas, e extinguir conselhos municipais, sob justificativas que associam tais ações à “sexualidade precoce” ou “ideologia”.

Entre as propostas estão a do vereador Pastor Dinho (PL), que propôs, na Serra, em janeiro deste ano, a proibição da participação de crianças e adolescentes em eventos relacionados à Parada do Orgulho LGBTQIA+. O PL prevê multa de R$ 10 mil para organizadores e de R$ 5 mil para responsáveis legais das crianças, podendo inclusive levar à proibição de contratos públicos com a administração municipal em caso de reincidência. Ele argumenta que tais eventos seriam “insalubres” para o desenvolvimento das crianças e que poderiam causar “lacerações” na personalidade delas. A matéria aguarda parecer das comissões.
Outro projeto, apresentado em 2023 pelo então vereador Professor Artur (Solidariedade, atualmente no PP), propunha a proibição de qualquer evento relacionado à pauta LGBTQIA+ nas escolas da rede municipal, sob a justificativa de impedir a “ideologização” da educação. O PL previa multas para os responsáveis pelas escolas em caso de descumprimento. Um parecer da Procuradoria da Câmara recomendou o não prosseguimento da proposta por vício de iniciativa, mas o projeto ainda consta como “em tramitação” no sistema da Casa Legislativa.
Em Vila Velha, tramitam ao menos quatro projetos de lei com conteúdo semelhante. Dois deles são de autoria do vereador Devacir Rabello (PL). O mais recente, apresentado neste ano, tenta impedir a participação de crianças e adolescentes em passeatas ou paradas LGBTQIA+, com previsão de multas de até R$ 50 mil. O segundo, de 2023, proíbe manifestações ou eventos de cunho LGBTQIA+ em escolas e creches da rede municipal.
A justificativa do parlamentar é de que a presença de menores nesses espaços “estimula a sexualidade precoce” e os expõe a “ambientes libidinosos”, alegação criticada por especialistas por associar, de forma discriminatória e infundada, a existência LGBTQIA+ a conteúdos inapropriados ou nocivos.
O Departamento Legislativo da Câmara de Vila Velha chegou a orientar a devolução do projeto deste ano ao autor, em razão da existência de proposição semelhante (PL nº 4127/2023), mas ambos continuam com status “em tramitação”.
Outros dois vereadores do município também propuseram projetos similares. Romulo Lacerda (Republicanos) defende a proibição da participação de crianças na Parada do Orgulho LGBTQIA+; o projeto segue aguardando parecer das comissões. Já o vereador Devanir Ferreira (Republicanos) tentou limitar a presença de menores de idade em eventos LGBTQIA+, salvo com expressa autorização dos pais. Essa última proposta, no entanto, já foi arquivada.
Devanir também é autor do projeto que busca instituir o “Dia do Orgulho Hétero” em Vila Velha, apresentado nesta semana, e da lei sancionada em 2024 que criou o “Dia Municipal do Homem”, publicada justamente no 8 de março, Dia Internacional da Mulher.
Em Cariacica, a ofensiva legislativa atingiu diretamente a política pública local. O vereador Sérgio Camilo (União) apresentou o Projeto de Lei nº 097/2025, que propõe a revogação do Conselho Municipal de Enfrentamento à Discriminação de Pessoas LGBTI+, o primeiro do tipo no Espírito Santo, criado em 2013.
A proposta foi duramente criticada pelo Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado, que publicou parecer classificando o projeto como inconstitucional, além de apontar violação ao princípio da vedação do retrocesso e “evidente retrocesso social, já que pode reduzir direitos garantidos à comunidade LGBTI+ sem qualquer proposta de substituição equivalente”, afirma o documento.
A Defensoria Pública lembra ainda que o conselho é referência nacional em políticas públicas de enfrentamento à LGBTfobia e que sua extinção comprometeria atribuições fundamentais, como propor e fiscalizar políticas públicas, monitorar o cumprimento da legislação e assegurar a participação social. “A existência do conselho objetiva assegurar direitos que se alicerçam no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, fundamento da República”, frisa o órgão. A matéria segue em análise nas comissões de Justiça e de Direitos Humanos da Câmara, mas já mobilizou o Conselho Estadual LGBT, Fórum Estadual LGBT e o mandato da vereadora Açucena (PT), que contestou a proposta em plenário e acionou instituições de defesa dos direitos humanos.

Guarapari
Em Guarapari, os ataques legislativos aos direitos da população LGBTQIA+ ganharam força neste ano. Em janeiro, foi promulgada a Lei nº 5.036/2025, que proíbe discussões sobre identidade de gênero e orientação sexual em escolas públicas e privadas do município. O projeto aprovado por unanimidade na Câmara Municipal, sem debate prévio, em dezembro de 2024, é de autoria do vereador Luciano Costa (PP). O Poder Executivo, na época sob gestão de Edson Magalhães (PSDB), se omitiu dentro do prazo legal, e a presidente da Câmara, Sabrina Astori (PSB), sancionou a norma.
A medida foi contestada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) após representação da Associação Diversidade, Resistência e Cultura (ADRC), que considerou a norma inconstitucional, por tratar de tema cuja legislação é de competência exclusiva da União, como já reconhecido pelo STF. O caso foi assumido diretamente pelo Procurador-Geral de Justiça, que optou por buscar uma solução extrajudicial por meio do Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição (NUPA), que promove reuniões com representantes da Câmara para buscar uma alternativa consensual.
No próximo semestre, a Casa ainda vai decidir sobre o Projeto de Lei nº 017/2025, de Vinícius Lino (PL), que pretende proibir a participação de crianças e adolescentes em Paradas do Orgulho LGBTQIAPN+. Nesta semana, a Comissão de Justiça e Redação da Câmara rejeitou os apelos da ADRC e adiantou que o parecer será pela constitucionalidade da proposta, prevista para ser votada após o recesso parlamentar, em agosto.