Segunda, 29 Abril 2024

Protesto pega governador Renato Casagrande de surpresa

Protesto pega governador Renato Casagrande de surpresa
O primeiro dos três dias (23, 24 e 25) da III Conferência Estadual de Promoção de Igualdade Racial, no Sesc Aracruz, norte do Estado, saiu da monotonia que quase sempre domina a cerimônia de abertura de um evento oficial. Uma manifestação inusitada surpreendeu as mais de 400 pessoas presentes à conferência e, sobretudo, o alvo do protesto: o governador Renato Casagrande (PSB). 
 
Na noite de sexta (23), uma dúzia de manifestantes vestidos ao estilo “black blocs”  (foto) – com camisetas amarradas no rosto – acompanhava a abertura da conferência disposta a abordar a “Democracia e Desenvolvimento Sem Racismo: Por um Espírito Santo Afirmativo”. A conferência é preparativo para o evento nacional, que acontece em novembro, em Brasília. 
 
Os manifestantes, mesmo imóveis e calados, criavam um clima de apreensão no auditório do Sesc Aracruz. “Acho que as pessoas imaginavam que iríamos sair quebrando tudo”, palpitou um manifestante. 
 
Apesar do protesto, o evento seguia os protocolos de praxe. A mesa de abertura estava composta pelo governador Renato Casagrande; a deputada federal Iriny Lope; o deputado Roberto Carlos (ambos do PT); a subsecretária de Movimentos Sociais Leonora Araújo, uma representante da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR-PR), Arilson Ventura, das Cimunidades Quilombolas; Wellington Barros, do Movimento Negro Capixaba; Mãe Néia, representando as comunidades de matriz Africana, entre outras autoridades. A cadeira reservada a um dos representantes dos movimentos populares, no entanto, permanecia vaga (os componentes da mesa que representaram a sociedade civil foram acrescentados, justamente, graças às informações da leitora Selma Dealdina).
 
O interlocutor da sociedade civil tivera um contratempo e a solução foi convocar um substituto de última hora. A partir daquele momento, as agruras do destino preparavam uma peça memorável para o governador. 
 
Luiz Inácio da Silva Rocha, do Fórum da Juventude Negra do Espírito Santo (Fejunes), foi anunciado para compor a mesa. No caminho ao palco ele ainda tentou explicar aos colegas que não havia preparado uma fala para conferência. Alguém sugeriu: “Improvisa”. 
 
Mal tomou assento, o representante do Fejunes foi convocado a falar. Ele pensou um pouco e iniciou sua fala dizendo que queria aproveitar o momento para fazer uma homenagem a um companheiro negro preso pelo governador Renato Casagrande, durante o protesto do dia 19 de julho, em Vitória. Disse olhando de soslaio para o governador, que imediatamente enrijeceu na cadeira. 
 
Os cerca de 250 delegados estaduais dos movimentos sociais que estavam na plateia não economizaram nas palmas de apoio à justa homenagem do representante do Fejunes, que se referia a Rafael Miranda, o popular Feijão (foto). 
 
Luiz Inácio levantou a cabeça e mirou o olhar para um dos “black blocs” que estavam na turma do fundão. “Foi tudo de improviso. Sai andando em direção à mesa. À medida que andava fui tirando da carteira o alvará de soltura que carrego comigo para todos os lugares. Quando estava frente a frente com o governador, tirei a camiseta que envolvia meu rosto, olhei bem nos fundos dos olhos dele e disse: ‘A gente estava usando isto [a camiseta no rosto] para evitar isto’”, disse exibindo o alvará de soltura. 
 
“Mostrei o alvará para todos os integrantes da mesa e para a plateia. Disse ao governador que as prisões foram arbitrárias”. Feijão explicou que nunca foi de sair quebrando as coisas, mas também admitiu que não teve coragem de recriminar os manifestantes que optaram por essa forma de protesto. 
 
“Sempre que há conflito, os movimentos sociais são logo criminalizados. Quando o MST entra em luta por terras é criminalizado; quando os quilombolas põem fogo nos eucaliptos, em protesto pela ocupação de suas terras, são criminalizados. Esses conflitos que são recentes no meio urbano, e que também estão sendo criminalizados pelo Estado, são recorrentes no campo”, disse com o olhar fixo no governador, que permanecia calado. 
 
O representante do Fejunes tentou quebrar o semblante impassível do governador: “Peço que o senhor faça uma retratação, um pedido de desculpas ao nosso companheiro”, suplicou. 
 
O silêncio de Casagrande encorajou Feijão a continuar o desabafo. Sempre olhando para o governador, o ativista relembrou dos maus momentos em que passou na prisão. Disse que nenhum manifestante imaginava que passaria por tal situação. “Estávamos sendo tratados como presos políticos, pensei que isso não fosse mais possível nos dias de hoje. Achei que isso só acontecia na ditadura”. 
 
Feijão compartilhou com o público presente ao Sesc sua revolta com o sistema. “Percebi que mais de 90% das pessoas que estavam presas eram gente do meu povo [se referindo aos negros]. Essas pessoas, que também são criminalizadas, estão ali, na sua maioria, por que o Estado não promove políticas públicas para esse segmento da população: os pobres e negros”, protestou. 
 
Feijão ainda disse a Casagrande que o governo não conseguiu entender os protestos. “A manifestação era um pedido para construir um Estado mais democrático e justo. O senhor não conseguiu perceber isso. O senhor simplesmente mandou a BME pra cima da gente”. 
 
O militante do CDDH disse que tinha muito mais coisas para falar ao governador, "mas na hora é tanta emoção... Gostaria de ter falado, por exemplo, que num pude comemorar o aniversário de três anos do meu filho (21 de julho), porque estava preso", lamentou o jovem de 33 anos, que é casado e tem três filhos.
 
Antes de encerrar sua manifestação, o militante fez um pedido ao governador: “Gostaria que quando o senhor colocar a cabeça no travesseiro, pense no que quer para o nosso Estado”. 
 
As críticas do militante do Centro de Defesa de Direitos Humanos da Serra duraram mais dez minutos. Para o governador Renato Casagrande deve ter sido uma eternidade. 
 
“Foi tudo de improviso. Ninguém tinha combinado nada. Só mesmo o protesto de se vestir como ‘black blocs’. Confesso que quando estava na prisão pensei que um dia ainda teria a oportunidade de dizer algumas verdades para o governador. Só não esperava que esse dia chegaria tão rápido”. 
 
Quando Feijão caminhava de volta para o seu lugar, o grito das ruas tomou conta do auditório e deixou muita gente arrepiada: algumas por emoção, outras por medo: “Poder para o povo e o poder do povo, vai fazer um mundo novo. Poder, poder, poder!”
 
“Quando me aproximei do grupo, a galera foi descobrindo o rosto. Naquele momento, todo mundo queria mostrar a cara”.
 
Casagrande reage
 
Depois da constrangedora fala do representante do CDDH, muita gente pensou que o governador fosse sair à francesa. Mas Casagrande decidiu falar. 
 
O governador admitiu que sua assessoria recomendou que ele evitasse participar de atos públicos. Segundo Feijão, o governador fez uma fala confusa. “Acho que ele estava meio desnorteado. Perdido mesmo. Ele chegou a dizer: ‘Sabia que poderia sofrer protestos sobre as injustiças que fiz’. Eu entendi isso”, garantiu Feijão. 
 
Segundo o militante, o governador em seguida afirmou que era um homem corajoso para enfrentar aquela situação. “Depois ele começou a destacar as realizações do governo na área social. Mas, embora o Luiz Inácio tenha sugerido, o governador não teve humildade para pedir desculpas para mim e para todos os outros manifestantes que foram presos naquele fatídico 19 de julho”. 

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