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Quilombolas de Conceição da Barra contabilizam perdas após cerca cortada

Produtores acusam Suzano de inviabilizar produção rural com violações constantes

Divulgação

Moradores da comunidade quilombola de Córrego do Alexandre, em Conceição da Barra, no norte do Estado, afirmam que sua produção rural está inviabilizada devido a violações contantes praticadas pela empresa Suzano (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria). Representantes da comunidade registraram um Boletim de Ocorrência (BO) na Polícia Civil, após verificarem que a cerca instalada para impedir o acesso de animais às plantações foi cortada durante a madrugada. E não foi a primeira vez.

Segundo Douglas dos Santos Alexandre, presidente da associação que representa os remanescentes de quilombos e produtores rurais de Córrego do Alexandre (Arca), a comunidade gastou mais de R$ 4 mil somente com a instalação da cerca. Já os prejuízos com inviabilização da produção pode chegar a R$ 20 mil por produtor.

A principal atividade econômica de Córrego do Alexandre era a pesca artesanal, que ficou inviabilizada de vez após o crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP Billiton, ocorrido em 2015, quando a lama tóxica da barragem de Fundão, em Mariana (MG), alcançou o litoral do Espírito Santo por meio do Rio Doce. O espaço para agricultura é reduzido, tendo em vista que parte significativa das terras foi contaminada por despejo irregular de lixo, entre os anos 1970 e 1990, e uso constante de agrotóxicos na monocultura do eucalipto.

Com isso, as principais áreas utilizadas pela comunidade para produção rural ficam em zonas de conflito com a Suzano, maior empresa de celulose do mundo – apesar de a papeleira ter sido condenada por fraude na titulação de terras sobrepostas ao território quilombola do Sapê do Norte, que inclui o Córrego do Alexandre.

Nos últimos anos, o Governo do Estado tem feito uma mediação através da Mesa Estadual para Resolução de Conflitos Fundiários, coordenada pela Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH). A Comissão Quilombola do Sapê do Norte solicitou pelo menos 10 hectares de terra por família, mas a Suzano ofereceu apenas 2,5 hectares. E, mesmo antes da resposta formal da Comissão, a empresa já havia iniciado a entrada nos territórios para refazimento e expansão de seus monocultivos de eucalipto, atropelando a mediação feita pela SEDH.

Segundo Douglas, os que aceitaram a proposta da Suzano, de forma geral, não vivem diretamente da produção rural. A empresa, acrescenta, utiliza as ações de intimidação para forçar os demais quilombolas a aceitarem o que ela tem a oferecer.

O uso de drones pela Suzano para monitorar as comunidades têm sido uma constante, gerando intensa pressão psicológica aos quilombolas. Douglas relata ainda que, em maio, a empresa mandou destruir os barracões utilizados como apoio nos plantios e colheitas em áreas mais distantes de suas casas e retirar as cercas utilizadas para impedir a entrada dos animais, que acabam destruindo as plantações de mandioca, aipim, abóbora e outros alimentos.

Toda a produção de Córrego do Alexandre é escoada por meio dos programas federais de Aquisição de Alimentos (PAA) e de Alimentação Escolar (PNAE). Na última quarta-feira (22), a Arca repassou uma remessa de alimentos a serem entregues em Conceição da Barra, mas os quilombolas não sabem se conseguirão entregar novamente seus produtos daqui a 15 dias.

“Zerou tudo, agora não temos produto nenhum para entregar. Não podemos fazer a lavoura e também não dá para pescar, ficamos ‘sem pé e sem mão’”, desabafa Douglas.

Titulação imediata

O Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) entraram na Justiça, no último dia 17, com duas ações de execução provisória de sentença para garantir a titulação de terras localizadas no norte do Espírito Santo em favor de comunidades quilombolas do Sapê do Norte. As áreas ainda estão sob o domínio da Suzano apesar da decisão judicial que anulou os títulos de propriedade.

Os órgãos pleiteiam que o governo do Espírito Santo apresente, no prazo de 30 dias, um cronograma de início das medidas adotadas para a emissão dos títulos de propriedade em favor das comunidades quilombolas que, tradicionalmente, ocupam as áreas. Também requerem expedição de ofício aos Cartórios de Registro de Imóveis de São Mateus e Conceição da Barra para que promovam, com urgência, a declaração de nulidade dos títulos de domínio dos imóveis.

Em outubro de 2021, o juiz federal Nivaldo Luiz Dias condenou a Suzano, o Estado do Espírito Santo e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) por fraudes na titulação das terras devolutas. Durante o processo, foi constatada a utilização de “laranjas” pela empresa para a obtenção irregular das áreas, de 1973 a 1975.

Em sua decisão, o juiz federal determinou a nulidade de 30 matrículas de imóveis registradas de forma fraudulenta. Também condenou o Estado do Espírito Santo “a titular as terras devolutas que reverteram ao patrimônio público estadual em virtude da declaração de nulidade”, com base na Constituição Federal e no art. 3º da Lei Estadual 5623/1998.

Ao BNDES, foi determinado que “suspenda qualquer operação de financiamento direto, indireto ou misto” à empresa em Conceição da Barra e São Mateus e, aos Cartórios de Registro de Imóveis nos dois municípios, que “façam constar o ônus nas respectivas matrículas”. Em uma segunda ação judicial, a Suzano foi condenada ao pagamento de R$ 1 milhão como reparação por danos morais coletivos, a serem direcionados ao Fundo de Direitos Difusos.

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