Domingo, 28 Abril 2024

Relatos de familiares marcam o encerramento da Comissão Nacional da Verdade em Vitória

Relatos de familiares marcam o encerramento da Comissão Nacional da Verdade em Vitória
Rubinho Gomes
Especial para Século Diário
 
Em depoimento na manhã desta sexta-feira (16), no auditório do hotel Golden Tulip, em Vitória, na sessão da Comissão Nacional da Verdade (CNV), o cineasta Orlando Bonfim Neto pediu que todas as comissões da verdade e entidades governamentais se unam e mantenham o foco na busca dos corpos dos desaparecidos políticos - seu pai, o jornalista capixaba Orlando Bonfim Júnior, ex-dirigente do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB), está desaparecido desde 1975, quando foi preso pelo DOI-Codi do Exército. 
 
"Na minha família estamos cansados de receber comendas e nunca mais tivemos notícias de meu pai", desabafou. "O grande foco da CNV deve ser a busca pelos corpos dos mortos e desaparecidos e digo isso em causa própria mesmo. Minha família é vítima muito antes da prisão do meu pai. Desde criança sou vítima da ditadura. Chegamos a ficar três meses sem poder sair de casa", relatou o cineasta.
 
Orlando Bonfim considerou inaceitável que nenhum membro da Comissão Estadual da Verdade, instalada em maio pelo governo estadual,  tenha comparecido ao encontro promovido pela CNV para ouvir depoimentos das vítimas da ditadura no Espírito Santo, iniciados na manhã de quinta-feira (15), e concluídos na tarde desta sexta-feira com a realização de audiências sigilosas onde, separadamente, índios guaranis e quilombolas apresentaram suas questões específicas, como a demarcação de suas terras e expulsões de áreas tradicionalmente ocupadas por aldeias e comunidades.
 
A psicanalista Maria Rita Kehl, integrante efetiva da CNV, destacou o massacre dos índios durante a ditadura militar brasileira. Ela disse que os índios foram considerados obstáculos aos caminhos do desenvolvimento, e por isso foram exterminados, não só para abertura de estradas e construção de hidrelétricas, mas também na Amazônia para transformar áreas indígenas em grandes latifúndios de empresas multinacionais.
 
Um dos caciques guaranis presente ao encontro desabafou: "Estamos aqui para contar a verdade sobre o roubo de nossas terras pela Aracruz Celulose [Fibria], pois na época da ditadura não podíamos nem falar que éramos indígenas. Onde estiver, o povo guarani será sempre um só. Onde houver humanidade tem que ter amor", disse o índio.
 
 
“A Esquerda Armada”
 
O subsecretário de Direitos Humanos do Estado, Perly Cipriano, entregou à CNV um exemplar do livro inédito do falecido jornalista Luzimar Nogueira Dias "A Esquerda Armada", com entrevistas de presos políticos nos anos 70, inclusive do próprio Perly. Segundo ele, "a sociedade civil tem uma enorme contribuição a dar para que busquemos um futuro melhor, pois o país pela primeira vez começa a olhar para ele mesmo".
 
Perly defendeu que os serviços de inteligência (P2) que ainda funcionam nos governos federal e estaduais sejam normatizados "pois nada impede hoje que eles extrapolem suas atribuições e violem os direitos de muitos cidadãos". Para o subsecretário, "o sonho é fazer uma rede de comissões da verdade" e defendeu o mapeamento de locais onde ocorreram torturas e prisões no Espírito Santo.
 
Troca de informações
 
Depois de admitir que chegou a pensar em propor o encerramento das atividades da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa, o deputado estadual Claudio Vereza (PT), garantiu, na manhã desta sexta-feira (16), que se propõe a realizar na sede do Legislativo capixaba uma reunião de todas as comissões da verdade do Estado para troca de informações e unificação de procedimentos, evitando duplicidade de ações.
 
“Também vamos ouvir os cassados, a quem pretendemos devolver os mandatos, principalmente Benjamin Campos, cassado em 1947 por integrar o Partido Comunista Brasileiro (PCB). E vamos também apurar momentos difíceis da Assembleia como a renúncia do ex-governador Chiquinho em 1966. E vamos dar nossa contribuição para que todas as comissões cumpram seu trabalho da melhor forma possível”, garantiu.
 
Vídeo de Claudio Guerra
 
O professor Pedro Ernesto Fagundes, da Comissão da Verdade da Ufes exibiu um vídeo onde mostra que o trabalho dos professores está concentrado nas atividades da extinta Assessoria de Segurança e Informação da Ufes, então chefiada pelo professor Alberto Monteiro dentre outros membros da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg) que produziram enquadramentos de estudantes e professores nos decretos 477 e na Lei de Segurança Nacional. 
 
Ele informou que a Comissão da Ufes pretende disponibilizar para acesso público todos os documentos encontrados. A Comissão da Verdade do Sindicato dos Jornalistas do ES entregou à CNV cópia do vídeo do depoimento prestado pelo ex-delegado da Polícia Civil capixaba Claudio Guerra. No vídeo Guerra acusa o empresário e deputado federal Camilo Cola (PMDB) pela morte do dono do jornal popular "Povão", em 1981, e assume atentados a bomba praticados contra diversos jornais, inclusive Jornal da Cidade e A Tribuna, em Vitória.
 
Além disso, a Comissão dos Jornalistas informou ter documentado o empastelamento do jornal Folha Capixaba, ocorrido poucos dias depois do golpe de 1964, além de ter ouvido depoimentos de jornalistas perseguidos pela ditadura e sobre a censura imposta em todas as publicações logo depois do AI-5. Também fizeram relatos de suas atividades a Comissão da Verdade do Ministério Público e da Associação dos Magistrados do ES, além da coordenação do Fórum Direito à Memória e à Verdade do ES, que desde o ano passado tem se mobilizado pela criação de comissões da verdade em diferentes segmentos da sociedade civil.

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