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Sem proposta da Vale, indígenas mantêm bloqueio em Aracruz

Ato em território Tupinikim dura 24 dias e cobra reparação por crime da Samarco

Reprodução: Juventude Indígena

O bloqueio dos trilhos da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) em Aracruz, norte do Estado, realizado pelo coletivo da Juventude Indígena Tupinikim, completou 24 dias sem a apresentação de uma proposta de negociação pela Vale para avançar no processo de reparação do crime socioambiental da Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton.

A ação ocorre em trecho que atravessa o território indígena e representa aproximadamente 100 famílias que protestam contra a condução das decisões, marcadas por exclusão das comunidades indígenas e tradicionais do processo de repactuação do Acordo do Rio Doce, firmado entre governos e mineradoras responsáveis pelo crime.

A mobilização permanece após a empresa pedir a suspensão da ordem de reintegração à justiça para retirada do grupo com uso de força policial. O juiz federal Gustavo Moulin Ribeiro acatou o pleito da Vale e revogou ordem que seria cumprida no último dia 5 de novembro, quando se completaram 10 anos do crime socioambiental, e deu prazo de 15 dias para negociação.

Nessa quarta-feira (12), a Juventude Indígena Tupinikim, junto com os caciques e lideranças, participou de reunião com representantes da Vale, do Ministério Público Federal (MPF), da Defensoria Pública da União (DPU), da Secretaria-Geral da Presidência da República, da Secretaria Estadual de Direitos Humanos, da Comissão de Justiça e Paz e da Pastoral Indigenista.

O encontro, no entanto, terminou sem que a empresa apresentasse medidas concretas para iniciar a reparação específica aos povos indígenas diretamente atingidos. Enquanto mantém a ferrovia operando em ritmo parcial, o grupo afirma que a empresa apenas solicita “mais tempo” e o impasse se arrasta “por falta de boa-fé”.

Para os manifestantes, a postura da mineradora revela apenas uma preocupação com a própria imagem institucional, às vésperas ainda da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), realizada nesta semana em Belém, no Pará. Eles lembram que os impactos do rompimento da barragem de Fundão atravessam a pesca, a qualidade da água, a segurança alimentar e a manutenção das práticas culturais, que dependem diretamente dos rios e do litoral, contaminados pelos rejeitos da mineração.

A Juventude Indígena cobra “o direito de ser ouvida, pela escuta qualificada, por justiça e pela reparação digna” e denuncia tanto o chamado Novel Indígena, acordo firmado em 2021, como a repactuação que culminou no Novo Acordo Rio Doce (Nard), assinado em 2024. Para eles, esses pactos foram feitos “às escondidas, de forma sorrateira e desonesta, em flagrante violação aos princípios constitucionais e aos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário”.

Entre as reivindicações apresentadas, estão a anulação ou revisão do acordo “Novel Indígena”; o reconhecimento como titulares de direito; a manutenção do auxílio de sustentabilidade emergencial até que as condições de vida retornem ao patamar anterior ao crime; e o pagamento de indenizações justas, de acordo com a matriz de danos reconhecida pelas próprias comunidades.

O movimento critica ainda a ausência dos principais órgãos federais diretamente envolvidos com a política indígena, o que reforça “um sentimento de descaso”. “Não apareceu nenhum representante do Ministério dos Povos Indígenas. O convite foi feito e eles deram uma negativa. A mesma coisa com a Funai [Fundação Nacional do Índio] a nível federal e com a Casa Civil. Sofremos até hoje pelos danos do maior crime socioambiental da história do País, e um dos maiores do mundo, mas parece que as demandas do povo Tupinikim valem menos do que as de quem é de fora”, criticou uma liderança da Juventude Tupinikim.

Durante a reunião, duas representantes da Gerência de Relacionamento com Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, que representaram a Vale na reunião, afirmaram que o setor presente não tinha competência para tratar das reparações. “A empresa foi sem nenhuma proposta. Usaram aquele discurso de que foram lá para ouvir, mas eles já ouvem a gente há mais de dez anos”, destacou.

“Apesar de ter acesso a toda a documentação com nossas reivindicações e pleitos, a empresa participou da reunião sem apresentar qualquer proposta concreta para solucionar o conflito”, critica o grupo em nota publicada nas redes sociais. Os jovens indígenas relatam que entregaram à Vale, novamente, todas as reivindicações necessárias para uma reparação justa.

A representante do movimento lembra que antes da manifestação recente, o coletivo já havia ocupado os trilhos por 42 dias, anos atrás, e o ato terminou com uma promessa judicial de continuidade das audiências para solucionar o problema. “A comunidade acreditou, desfez o manifesto, mas de lá para cá nada foi feito”, relata.

O movimento ressalta que as consequências da falta de reparação adequada continuam se acumulando: contaminação persistente, problemas de saúde, impactos culturais e divisão nas organizações internas das aldeias provocadas, segundo eles, pela atuação da empresa. “Foi algo estratégico: dividir para enfraquecer nossas comunidades”.

Outro ponto destacado foi a criminalização de jovens e lideranças desde o início do novo bloqueio. “No primeiro dia, a Vale não só entrou com pedido de reintegração, como pediu para que algumas pessoas fossem identificadas como líderes, e a Justiça acatou, as tornando réus”, aponta.

A nota oficial do movimento também denuncia que os jornais capixabas têm divulgado informações distorcidas que favorecem a empresa: “Seguimos mobilizados e atentos. Enquanto a mídia hegemônica divulga informações inverídicas, nós trabalhamos com a verdade”.

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