Impasse sobre reestruturação de carreiras mantém funcionalismo em alerta
Após meses de mobilização, frustração e resistência, o funcionalismo público estadual encerra o ano em estado de greve e sob alerta permanente, diante do encerramento, nesta quarta-feira (31), do prazo definido para que a Secretaria de Gestão e Recursos Humanos (Seger) encaminhasse à Secretaria de Estado do Governo (SEG) a proposta de reestruturação das carreiras do executivo estadual.
As categorias preveem duas novas assembleias, marcadas para os dias 16 e 21 de janeiro, que devem avaliar os próximos passos do movimento, e cobram negociação direta com o governador Renato Casagrande (PSB).

Representados do Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Espírito Santo (Sindipúblicos) atravessaram o ano com atos de rua, assembleias, paralisações e uma greve que não ocorria em dimensão semelhante havia mais de duas décadas. A principal reivindicação é a implementação da reestruturação das carreiras, com pagamento retroativo dos reajustes a partir de abril de 2025.
Para as lideranças sindicais, o governo já teve tempo suficiente para consolidar sua posição e agora precisa cumprir os compromissos assumidos ao longo do ano. A preocupação, destacam, é garantir que todas as informações técnicas e financeiras cheguem ao gabinete do governador dentro de um prazo que permita a abertura efetiva das negociações ainda no primeiro trimestre de 2026.
A mobilização atual é resultado de um longo período de tentativas frustradas de negociação. Desde abril, o sindicato participa de reuniões com representantes do governo estadual sem que tenha sido apresentado, até o momento, qualquer documento formal com calendário, metas ou compromissos concretos de avanço.
Em outubro, diante da ausência de respostas, os servidores decidiram deflagrar uma greve. O movimento paredista durou 31 dias e foi suspenso em 7 de novembro, após o governo garantir o retorno imediato da mesa de negociação salarial, o abono de todos os dias parados e a manutenção da contagem do tempo de serviço para fins de férias, progressões, promoções e licença-prêmio.

A suspensão da greve, no entanto, não significou o avanço das negociações. A comissão estabeleceu que o Executivo teria até 30 dias para apresentar resultados concretos, prazo que se encerrou em 8 de dezembro sem qualquer entrega formal. Ainda em novembro, o sindicato anunciou novas etapas de mobilização e fixou a data como limite para que o governo apresentasse um calendário de negociação. O silêncio do Executivo intensificou o conflito.
Ao longo do ano, os servidores realizaram uma série de atos públicos, incluindo caravanas da região metropolitana e do interior do Estado, que chegaram a reunir mais de 600 trabalhadores. Em agosto, um manifesto foi entregue no Palácio Anchieta em defesa da valorização do funcionalismo, assinado por 28 entidades entre sindicatos, associações, centrais sindicais e movimentos sociais.
O documento expressou “profunda preocupação com o tratamento dado à pauta da campanha salarial” e alertou para a evasão crescente de servidores. “A desvalorização dos profissionais que garantem os serviços essenciais compromete a qualidade das políticas públicas e o funcionamento do Estado”, afirmaram as entidades. Para o movimento, defender os servidores é também defender um Estado mais forte e capaz de atender à população.

A reestruturação das carreiras representa, segundo o Sindipúblicos, impacto de apenas 1,1% na folha de pagamento e poderia recuperar até 30% das perdas salariais acumuladas, que já ultrapassam 50% nos últimos 23 anos. Estima-se que mais de 40% dos servidores tenham deixado o Executivo diante da defasagem histórica.
O sindicato sustenta que há margem orçamentária para a valorização. A arrecadação estadual já ultrapassou R$ 14 bilhões em 2025 e pode chegar a R$ 29 bilhões até o fim do ano. O Fundo Soberano acumula cerca de R$ 2 bilhões, equivalente a 10% da receita anual. Além disso, apenas 35,3% da arrecadação é destinada aos servidores do Executivo, percentual abaixo do limite de 44,1% estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A proposta apresentada prevê equiparação proporcional com o Judiciário. Enquanto servidores do Judiciário recebem cerca de R$ 7 mil para jornadas de 30 horas semanais, no Executivo o valor é de aproximadamente R$ 6,9 mil para 40 horas. A proposta eleva o salário de nível superior para R$ 9,3 mil, com percentuais proporcionais para os níveis técnico e médio.
Dados do sindicato evidenciam os efeitos da desvalorização: 31,2% dos aprovados para a carreira de analista executivo desde 2023 não permaneceram nos cargos. No Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), 39% dos nomeados não tomaram posse ou já deixaram as funções. No Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), a redução do quadro ativo se aproxima de 40%.
Embora em maio o governo tenha concedido a Revisão Geral Anual (RGA) de 4,5% e elevado o auxílio-alimentação de R$ 600 para R$ 800, os reajustes foram considerados insuficientes. As perdas acumuladas foram agravadas por quatro anos sem reajuste no governo Paulo Hartung e pelo congelamento salarial durante a pandemia, imposto pela Lei Complementar 173.
A greve de 2025 se destacou pela amplitude, com adesão de servidores de ao menos cinco autarquias e órgãos estaduais em 54 municípios capixabas. No Iema e no Incaper, o funcionamento foi reduzido ao mínimo legal de 30%. No Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf), a redução chegou a cerca de 50%. O Departamento Estadual de Trânsito (Detran) e o Departamento de Edificações e Rodovias (DER) também registraram queda significativa nas atividades.

A última greve geral do funcionalismo estadual havia ocorrido durante o governo de José Ignácio (PSDB). Desde então, as paralisações foram pontuais, como em 2012 e 2015, sem o mesmo alcance territorial e político observado em 2025.
Primeira mulher a presidir o Sindipúblicos, Renata Setúbal avalia o ano como um teste de resistência coletiva. Em mensagem divulgada em vídeo neste dia 31, afirmou que 2025 exigiu coragem, união e presença. “Vemos uma categoria que se reconheceu como força coletiva, que se encontrou nas ruas, nas assembleias e nas lutas compartilhadas”, destacou.
Para a dirigente, a reestruturação das carreiras vai além de uma proposta técnica: representa uma reparação histórica e um compromisso com o futuro do serviço público. “A luta não acaba no calendário. Ela se renova todos os dias”, enfatiza.
Com o prazo encerrado sem resposta do governo, os servidores iniciam 2026 mobilizados, em estado de greve, e com a possibilidade concreta de retomada da paralisação, a depender do avanço nas negociações já nas primeiras semanas do novo ano.

