Famílias mantêm acampamento em frente ao Palácio e denunciam violação

A situação da comunidade de Vila Esperança, localizada em Jabaeté, Vila Velha, que desde esse domingo (31) mantém acampamento em frente ao Palácio Anchieta, no Centro de Vitória, contra a ordem de despejo determinada pela Justiça, segue sem perspectiva de solução definitiva, apesar das reuniões realizadas nesta semana entre representantes do governo do Estado e da prefeitura. A única proposta concreta apresentada até o momento é a ampliação do valor do auxílio financeiro para as famílias, que passaria de R$ 2,2 mil para aproximadamente R$ 3,6 mil – o equivalente a cerca de seis meses de aluguel no valor de R$ 600.
De acordo com a advogada do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) no Estado, Maria Elisa Quadros, que representa os moradores, o governador Renato Casagrande (PSB) chegou a citar a possibilidade de destinar terrenos em Vila Velha para a construção de moradias, mas voltou atrás após reunião com a deputada estadual Camila Valadão (Psol). “Não teve muito direcionamento. O que é certo agora é esse aumento do valor do auxílio e a promessa de ampliar o número de famílias que teriam direito a ele, mediante o cadastro que tem sido feito. Mas perspectiva de melhora é zero”, afirmou.
O cadastramento das famílias é realizado em tendas montadas em um espaço na região de Jabaeté, onde a ocupação se formou há cerca de oito anos. A percepção da comunidade é de que tanto o governador quanto o prefeito de Vila Velha, Arnaldinho Borgo (sem partido), mantêm uma posição alinhada contra a desapropriação de áreas que poderiam servir como alternativa habitacional. “Casagrande já falou que não vai desapropriar nada, porque isso pode abrir precedente para outras ocupações”, relatou a advogada.
Do lado da comunidade, o clima é de indignação e desânimo, descreve Josué Santos, uma dos moradores da Vila Esperança, diante da falta de avanços nas negociações para garantir a permanência das famílias ou definir uma solução habitacional digna. Para ele, a proposta apresentada pelo governo não contempla as necessidades das mais de 800 famílias que vivem no local.
“O governador do Estado junto com o prefeito de Vila Velha e a comissão dele decidem por Vila Esperança: não existe mais. E oferecem um valor dizendo que dá para pagar seis meses de aluguel. Quem pegou dinheiro emprestado para construir, acreditando que a área seria transformada em loteamento social, como vai pagar essa dívida? É complicado, muita gente vai entrar numa situação difícil”, disse.
Ele destacou ainda a preocupação com idosos que usaram a aposentadoria ou recorreram a empréstimos para erguer suas casas. “Tem muito idoso lá que pegou dinheiro emprestado e está pagando R$ 500, R$ 600 por mês. Agora vai ter que pagar aluguel, como é que vai viver com a família?”, questionou.
Mesmo diante da frustração, os moradores seguem em luta e expandiram a mobilização para atos de rua, com a ocupação de faixas da avenida Jerônimo Monteiro nessa quarta-feira (3), para reiterar as denúncias de omissão das gestões e de violações de direitos enfrentadas pela comunidade. Segundo Josué, a solidariedade tem crescido à medida que a situação da Vila Esperança ganha visibilidade, mas ainda falta resposta concreta do poder público. “Até agora estamos na mesma, não temos solução”, resumiu.
A ordem de reintegração de posse foi emitida pelo juiz Manoel Cruz Doval, da 6ª Vara Cível de Vila Velha, e terá que acontecer nos próximos dias. A presidente da ocupação, Adriana Paranhos, conhecida como Baiana, aponta que a empresa Alphaville estaria diretamente ligada às pressões pela retirada das famílias da área.

O plano de desocupação homologado pela Justiça previa a concessão de auxílio extraordinário de uma parcela única de R$ 2,2 mil para até cem famílias, previamente identificadas em situação de vulnerabilidade. A prefeitura deverá oferecer ainda um apoio logístico para mudanças, transporte de pertences para cidades vizinhas e guarda em galpões por até 21 dias.
Na terça-feira (2), a situação foi discutida em reunião da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Vila Velha, mas nada efetivo foi apresentado, relata a advogada da comunidade. Na segunda-feira (1), uma comissão foi recebida por Renato Casagrande, pela secretária de Direitos Humanos, Nara Borgo, e por representantes da Defensoria Pública. Para os moradores, o encontro apenas reforçou a frustração.
De acordo com Baiana, Casagrande descartou qualquer possibilidade de permanência das famílias na área, afirmando que isso incentivaria novas ocupações. O governador também alegou falta de recursos para desapropriar o terreno, embora haja um decreto de 2020, assinado pelo então prefeito Max Filho (PSDB), declarando a região de interesse social para habitação popular. Como alternativa, o governo citou a inclusão das famílias em programas habitacionais futuros, como o Minha Casa Minha Vida, ou o reassentamento em áreas apontadas pela Prefeitura de Vila Velha. Nenhuma das opções, no entanto, tem prazo ou garantia.
Formada por cerca de 3,6 mil habitantes, Vila Esperança surgiu em 2016, durante a gestão de Rodney Miranda (Republicanos), em um terreno abandonado. Ao longo dos anos, as famílias ergueram suas casas, cultivaram hortas e criaram redes de solidariedade. O decreto de 2020 alimentou a expectativa de regularização, mas foi revogado em 2022 pelo prefeito Arnaldinho, abrindo caminho para a reintegração de posse.
A execução da reintegração havia sido suspensa por determinação do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que exigiu a elaboração de um plano voltado a garantir alternativas habitacionais para as famílias vulneráveis antes da remoção. Após audiência de mediação realizada no último mês de julho, a Justiça entendeu que o plano de desocupação pactuado entre o município, o proprietário da área e a Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), “mostrou-se satisfatório e razoável para mitigar a situação de vulnerabilidade dos ocupantes, quando da execução da ordem de desocupação”.
Sarau Ocupa
Nesta sexta-feira (5), às 17h, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) realizam o Sarau Ocupa por Vila Esperança em frente ao Palácio Anchieta. Com poesia, música e teatro, o ato cultural convida a população a se somar na defesa do direito à cidade e a transformar a indignação em expressão coletiva de luta. A mobilização também reforça a campanha de arrecadação para apoiar as famílias, por meio de contribuições via Pix, pela chaves [email protected] e 279994-98701 (Adriana Paranhos).