quarta-feira, dezembro 17, 2025
23.9 C
Vitória
quarta-feira, dezembro 17, 2025
quarta-feira, dezembro 17, 2025

Leia Também:

Supremo forma maioria contra a tese do Marco Temporal

Indígenas Guarani bloqueiam há três dias a ES-010 em Aracruz

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria de votos pela inconstitucionalidade da tese do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas no País nesta quarta-feira (17), ao julgar ações que questionam a Lei nº 14.701/2023. Até o momento, o placar é de seis votos a zero, consolidando o entendimento de que a data da promulgação da Constituição de 1988 não condiciona os direitos indígenas à ocupação das terras.

Em Aracruz, no norte do Estado, indígenas Guarani mantêm, desde domingo (14), o bloqueio da rodovia ES-010, na altura de Coqueiral, em protesto contra o Marco Temporal e o avanço de propostas consideradas anti-indígenas no Congresso Nacional. A mobilização integra uma articulação nacional convocada por organizações de todo o país e tem como foco central o julgamento em curso no Supremo.

Divulgação

O ato ocorre em um contexto de duplo embate institucional: enquanto o STF analisa a constitucionalidade da Lei nº 14.701/2023, o Congresso Nacional avança em iniciativas para consolidar o Marco Temporal no ordenamento jurídico. A aplicação da tese coloca em risco terras indígenas capixabas demarcadas entre 1998, 2002 e 2008 em Aracruz, homologadas após décadas de conflitos envolvendo a então Aracruz Celulose, atual Suzano, e também ex-Fibria. Lideranças alertam que a revisão dessas demarcações pode reacender disputas territoriais e agravar conflitos históricos.

Apesar da maioria formada, o julgamento ainda não foi formalmente concluído e há alertas de entidades para ameaças consolidadas no voto do relator. A votação virtual teve início nessa segunda-feira (15) e segue aberta até esta quinta-feira (18), às 23h59, quando serão apresentados os votos restantes dos ministros Cármen Lúcia, Nunes Marques e André Mendonça.

O julgamento envolve quatro ações que tratam diretamente da Lei do Marco Temporal. As Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7582, 7583 e 7586 contestam a validade da lei, enquanto a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87 pede o reconhecimento de sua constitucionalidade. Todos os processos estão sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes.

A ADI 7582 foi apresentada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e pela Rede Sustentabilidade. A ADI 7583 é de autoria do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido Verde (PV), enquanto a ADI 7586 foi ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Já a ADC 87 foi proposta pelos partidos Progressistas (PP), Republicanos e Liberal (PL).

Na semana passada, o Senado Federal aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/2023, que insere o Marco Temporal diretamente na Constituição. A proposta segue agora para análise da Câmara dos Deputados. Paulo Tupinikim, coordenador-geral da Articulação dos Povos Indígenas do Espírito Santo (Apoime), avalia a iniciativa como um ataque frontal aos direitos indígenas e um risco direto à sobrevivência física e cultural dos povos originários.

Retrocessos

O relator, ministro Gilmar Mendes, votou pela inconstitucionalidade de dispositivos centrais da Lei nº 14.701/2023 que incorporam a tese do Marco Temporal, destacando que “a posse indígena é baseada na tradicionalidade, e não em um Marco Temporal fixo”. Para o ministro, exigir a comprovação da ocupação em 1988 impõe aos povos indígenas uma “prova diabólica”, especialmente àqueles que foram violentamente expulsos de seus territórios ao longo da história.

Na sequência, o ministro Flávio Dino acompanhou o relator, votando pela derrubada da tese, mas apresentando ressalvas. O terceiro voto pela inconstitucionalidade foi proferido pelo ministro Cristiano Zanin, que seguiu integralmente o entendimento de Dino e Gilmar Mendes. Posteriormente, também acompanharam o relator os ministros Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, formando a maioria.

Embora afastem o Marco Temporal, os ministros mantiveram uma série de condicionantes previstas no voto do relator, consideradas por lideranças indígenas como um retrocesso e um fator de aumento do risco de conflitos nos territórios.

O voto de Gilmar Mendes autoriza, por exemplo, o exercício de atividades econômicas nas terras indígenas, inclusive agropecuárias, em parcerias com terceiros, desde que lideradas pelos próprios indígenas, gerem benefícios para toda a comunidade e não envolvam arrendamento que restrinja a posse coletiva. Também prevê a permanência de não indígenas nas áreas demarcadas até o pagamento de indenizações por benfeitorias consideradas de boa-fé e estabelece um prazo de até dez anos para a conclusão dos processos de demarcação.

Para lideranças indígenas, essas condicionantes abrem margem para pressões do setor minerário e da bancada ruralista, além de criarem obstáculos adicionais à regularização fundiária. Segundo a Apib, ao menos 66 terras indígenas ainda aguardam homologação no país, o que reforça o temor de que as novas regras sirvam para postergar demarcações e manter territórios sob disputa.

Em documentos apresentados à Corte, a entidade aponta dez pontos de retrocesso. Entre os principais, o Estado oferecer “terras equivalentes” quando alegar impossibilidade de demarcação. Para o movimento indígena, a proposta retoma a lógica histórica de remoções forçadas, substituindo territórios tradicionais por áreas alternativas, muitas vezes distantes, inadequadas ou sem vínculo histórico e cultural com as comunidades afetadas.

Outro ponto crítico é a criação de prazos que podem inviabilizar novas demarcações. Pela proposta, após um ano do trânsito em julgado, pedidos de reconhecimento territorial deixariam de resultar em demarcação e passariam, como regra, para desapropriação por interesse social. Segundo as entidades, essa lógica esvazia o direito originário, que não depende de prazos nem de ato concessivo do Estado.

Os memoriais também alertam para a criminalização das retomadas indígenas, prática recorrente em contextos em que o poder público demora décadas para concluir processos demarcatórios. O voto prevê restrições e remoções que podem transformar comunidades inteiras em alvos de ações policiais, agravando conflitos fundiários já marcados por violência, como ocorre com os povos Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul.

Há ainda preocupação com a fragilização dos laudos antropológicos, base técnica da demarcação de Terras Indígenas. A aplicação de regras típicas do processo judicial a estudos administrativos pode colocar sob suspeita o trabalho técnico de antropólogos da Funai e abrir espaço para disputas políticas sobre critérios que deveriam ser essencialmente técnicos.

Mais Lidas