Quinta, 28 Março 2024

Transexualidade e liberdade de gênero foram um dos temas debatidos no Congresso

Transexualidade e liberdade de gênero foram um dos temas debatidos no Congresso

O III Congresso Nacional de Direito Homoafetivo, promovido pela seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), nesta quinta-feira (23), contou com palestras do médico urologista e coordenador da equipe de cirurgia de transgenitalização do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hucam), Jhonson Joaquim Gouveia; e do psicólogo, especializado em Sexologia, João Nery, primeiro homem transexual operado no Brasil.

 
Os dois palestrantes afirmaram que a disforia de gênero – forte e persistente desejo de identificar-se com sexo oposto, em vez de determinado gênero biológico ou anatômico; também conhecido como transexualidade – não deveria ser considerada uma patologia. Para o médico, o que determina a identidade não é o corpo, lembrando que a transgenitalidade é o estado do individuo que tem o corpo que pertence a um gênero, mas a mente pertence ao sexo oposto. 
 
Ambos também concordaram que o conceito de homem e mulher é oriundo de uma sociedade machista e binária e, em cima desses conceitos se criam os preconceitos. 
 
O psicólogo João Nery é oriundo de família de classe média e contou que começou a se identificar com o gênero masculino aos três ou quatro anos de idade. Neste ponto da palestra, ele fez uma ressalva. “Ninguém nasce transexual, nem gay, nem hétero, a gente nasce nu, o resto é montagem e desmontagem. A nossa cultura é binarista em que só se pode existir o homem e a mulher, o resto não existe. Isso é de uma grande hipocrisia, porque a sexualidade é um contínuo quase infinito”, disse ele. 
 
João continuou, dizendo que a cultura te obriga a se identificar com determinado gênero por conta dos órgãos genitais e ter práticas sexuais coerentes com o corpo para ser considerado normal. 
 
João Nery se identificou socialmente como mulher até os 26 anos, em 1976, quando passou a frequentar o núcleo liderado pelo médico andrologista César Nahoum e foi submetido a diversos exames, obtendo o laudo de transexual masculino. Depois da obtenção, se submeteu a uma mastectomia (retirada das mamas), histerectomia (retirada do útero) e deu início à hormonoterapia, através de testosterona. 
 
Antes de obter o laudo, João dava aulas em três universidades no Rio de Janeiro e atendia em consultório. No entanto, tirar novos documentos com identidade masculina, passou a ser “analfabeto e desempregado”. Por serem consideradas patologias, a transexualidade e a travestilidade e pelo fato dele não ter feito a transgenitalização, não pode tirar novos documentos, apesar de ser reconhecido como homem. “Os documentos são a coisa mais importante na vida de um transgênero, porque ele é humilhado o tempo todo [...] Eu não podia entrar na Justiça para mudança naquela época, em 1977, já que as cirurgias eram crimes, consideradas mutilações humanas. Somente 20 anos depois, em 1997, são legalizadas”.  
 
Ele contou, na palestra, que foi tirar os novos documentos acompanhado de uma amiga – uma transmulher – que serviu de testemunha. A partir daí, João Nery não poderia mais exercer a profissão, já que não tinha o mesmo nome, e perdeu todo o registro escolar e acadêmico. Por isso, trabalhou em profissões que não exigissem os diplomas que tinha, como pedreiro, pintor de parede e vendedor. “Me multipliquei profissionalmente, mas estou desempregado, não tenho aposentadoria. É aquela ‘maravilhosa’ legislação brasileira, que nunca me protegeu. Eu deveria ir contra o Estado, para ser ressarcido de tudo o que ele me prejudicou nesses 30 anos, que eu fui obrigado a ficar dentro do armário por ter dupla identidade”. 
 
A história do psicólogo inspirou o projeto de lei n° 5002/13 dos deputados federais Jean Wyllys (Psol-RJ) e Erika Kokay (PT-DF)  que estabelece o direito à identidade de gênero – definida como a vivência interna e individual do gênero tal como cada pessoa o sente, que pode corresponder ou não com o sexo atribuído após o nascimento.
 
A proposta obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) e os planos de saúde a custear tratamentos hormonais integrais e cirurgias de mudança de sexo a todos os interessados maiores de 18 anos, aos quais não será exigido nenhum tipo de diagnóstico, tratamento ou autorização judicial.
 
Livros 
 
O psicólogo João Nery lançou o primeiro livro, Erro de Pessoa: João ou Joana?, pela editora Record em 1984, com prefácio de Antônio Houaiss. Em 2011, lançou a autobiografia Viagem Solitária – memórias de um transexual trinta anos depois, pela editora Leya. 
 
O livro recupera a história de João Nery desde a infância passando pela juventude e chegando ao quadro atual. O psicólogo está casado pela quarta vez e é pai de um engenheiro recém-formado de 26 anos.   

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