Prazo para implementar Portal Único da Reparação expirou, aponta João Izoton, do MAB
Dez anos após o crime da Samarco/Vale-BHP, que deixou 19 mortos e devastou a bacia do Rio Doce, o novo acordo judicial de R$ 170 bilhões para reparação integral ainda caminha lentamente, aponta o dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), João Paulo Izoton. Ele avalia que a implementação segue aquém do prometido, especialmente em relação aos compromissos de transparência e participação social previstos no acordo firmado em outubro de 2024 entre as empresas, a União, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, e instituições de justiça.
“Chegaram poucas coisas além das parcelas repassadas às prefeituras. Ainda estamos em uma fase de modulação do acordo”, afirmou. Apesar de ministérios e secretarias já desenharam seus planos de atuação, ele observa que a execução nos territórios não deslanchou. “Um acordo de R$ 170 bilhões precisa ter um instrumento de transparência à altura do volume de recursos empenhado”, ressaltou.

Anunciado como solução definitiva para indenizações, recuperação ambiental e compensações socioeconômicas, o documento foi homologado judicialmente e estabelece a repactuação de todas as medidas socioeconômicas e socioambientais ligadas ao crime. Além das indenizações individuais e coletivas, prevê investimentos em áreas como saúde, saneamento, assistência social, mobilidade, educação, pesca e fortalecimento institucional.
Na prática, a nova repactuação substitui parte das ações conduzidas pela Fundação Renova, criada em 2016 pelas mineradoras para gerir a reparação e compensação dos danos causados e criticada por atuar para omitir os impactos do crime, por meio da judicialização dos estudos, como forma de postergar ações urgentes.
O acordo busca centralizar e dar clareza às responsabilidades, mas tem sido questionado pelo não cumprimento dos dispositivos que garantem a participação social. Entre eles, estão a criação de conselhos não apenas em nível federal, mas também estadual, e a implementação do Portal Único da Reparação, plataforma digital que deveria reunir todas as informações sobre os gastos e programas financiados com recursos do acordo, os órgãos responsáveis e o andamento das ações, funcionando como instrumento de controle social sobre os R$ 170 bilhões destinados à reparação.
Para João, a ausência desses mecanismos ameaça a efetividade da reparação. “Se não houver instâncias reais de controle social, o risco é repetir o modelo da Fundação Renova, com projetos de gabinete que pouco mudam a vida dos atingidos e servem mais para produzir relatórios do que para transformar os territórios.”
O acordo prevê R$ 78 milhões para desenvolver e manter a ferramenta, mas o prazo de implementação era de 180 dias. “O recurso está sendo empenhado, mas a sociedade não tem como acompanhar para onde vai. Isso é o que mais nos preocupa. Sem transparência, o risco é repetir velhos erros”, alerta João.
Outro pilar da repactuação é a instalação do Conselho Federal de Participação, previsto para deliberar sobre um fundo de R$ 5 bilhões destinado a projetos comunitários. A posse está marcada para a próxima sexta-feira (26), em Brasília. “O conselho tem caráter deliberativo nesse fundo específico, mas também exerce funções consultivas em outras iniciativas do acordo”, explicou. Ele lembra que, no modelo anterior, as comissões de atingidos foram criadas com participação das instituições de justiça, mas agora a condução será do próprio governo federal, sem precedentes. “Ninguém sabe direito como esse processo vai se dar. Por isso, é preciso cuidado para não excluir comunidades”, pontuou.
O MAB reitera que continua a priorizar a defesa da participação social nessa nova fase da repactuação e cobra a criação de instâncias estaduais de participação e maior presença dos órgãos responsáveis junto às comunidades. “Nenhum atingido participou da negociação desse acordo. Foram apenas governos, empresas e instituições de justiça”, reforça João. “Queremos propor, executar e avaliar as iniciativas de reparação. Só assim teremos resultados que façam diferença”, defende.
Fundo para mulheres
O acordo também prevê um programa de R$ 1 bilhão exclusivo para mulheres atingidas, gerido pelas instituições de justiça. O objetivo é construir coletivamente, com as próprias mulheres, como o recurso será aplicado — se em programas sociais, indenizações específicas ou outras políticas. Nos territórios, porém, surgiram problemas. “Já tem muitos escritórios de advocacia cadastrando mulheres e prometendo indenizações que não existem”, denuncia João.
Esse tipo de prática é “desautorizada pelas próprias instituições de justiça” e gera confusão, afirma. Ele explica que não existe um Programa de Transferência de Renda (PTR) exclusivo para mulheres. O fundo de R$ 1 bilhão ainda está em discussão, e a definição de seu formato depende de consultas diretas às atingidas. “As instituições de justiça têm ido a campo, em reuniões com mulheres, para discutir o destino desse recurso. Mas o processo está em aberto”, acrescenta.
Em nota, as Defensorias do Espírito Santo (DPES), de Minas Gerais (DPMG) e da União (DPU) e os Ministérios Públicos Federal (MPF), do Espírito Santo (MPES) e de Minas Gerais (MPMG) informaram que serão realizados encontros nos territórios atingidos, onde as mulheres poderão tirar dúvidas, contribuir com suas opiniões e participar do processo de construção da execução do Fundo.
“É importante destacar que o Programa para Mulheres está diretamente relacionado à ação civil pública das instituições de justiça que tratam do tema e busca o reconhecimento da violência de gênero nas estruturas de reparação da Fundação Renova”, destacam. Além disso, afirmam que o Fundo não é a única ação compensatória que as mulheres atingidas terão acesso.
“Qualquer informação sobre reuniões ou documentos relativos ao Programa para Mulheres ou Fundo
das Mulheres será divulgada exclusivamente pelos canais oficiais das instituições de justiça ou órgãos
públicos parceiros. Valendo ressaltar que não está sendo realizado nenhum cadastramento para
participação no Programa das Mulheres. Em caso de dúvidas, procure a Defensoria Pública ou
Ministério Público mais próximo ou acesse os canais de comunicação oficiais”, concluem.