Comunidade ocupa instalações desativadas e denuncia exclusão social
Um mês após o despejo da comunidade Vila Esperança de Jabaeté, em Vila Velha, centenas de famílias ainda enfrentam uma realidade marcada pela insegurança, pela falta de estrutura e pelo sentimento de rejeição social. Parte delas foi levada para o balneário Ponta da Fruta, onde se abrigaram no antigo Parque das Águas — um espaço desativado há mais de dez anos. Outra parte se dispersou entre casas de parentes e imóveis alugados, e duas famílias chegaram a ser encontradas em situação de rua e foram resgatadas pela própria comunidade.
Quase todo dia aparece uma pessoa que foi para o aluguel, que foi morar de favor com um familiar, vai saindo de lá e se abrigando aqui. Ontem nós recebemos duas famílias que estavam ficando embaixo da passarela da Rodovia do Sol”, relata a presidente da ocupação, Adriana Paranhos, a Baiana. “Estamos acolhendo as pessoas, mesmo não tendo água, energia e rede de esgoto. Mas sabemos que aqui é emergencial, a gente precisa que tenha uma alternativa para as famílias. E o movimento por moradia está cobrando uma solução”, afirmou.

Ela descreve como tem sido a espera por uma solução que garanta estabilidade e dignidade às famílias atingidas pelo despejo. “Hoje a realidade das famílias está muito mais difícil. Estamos em uma área nobre, em que as famílias não são bem aceitas pela comunidade. Acham que todo mundo que está ali é bandido, então estamos sofrendo um crime muito grave”, desabafa.
A presidente da comunidade aponta ainda os danos psicológicos provocados pela remoção forçada nas famílias, que foram arrancadas de um território onde se sentiam pertencentes e agora enfrentam não apenas a falta de estrutura, mas também o preconceito. “É muito difícil olhar uma criança de seis anos e um adolescente de 15 e já criminalizar o futuro deles. Tem que responsabilizar os governos por não nos dar uma saída. O que estão oferecendo? Nada”, critica.

Segundo Baiana, a advogada do movimento cobra da Prefeitura de Vila Velha a garantia de acesso à educação para as crianças e adolescentes, que correm o risco de perderem o ano letivo. “A escola enviou um formulário pedindo para preencherem o motivo de terem faltado às aulas no mês de agosto. Os responsáveis ainda podem perder o Bolsa Família. Nossa advogada entrou com recurso para providenciar uma vaga em uma escola mais próxima ou colocar transporte para elas poderem voltar a estudar”, explica.
Além da educação, o acesso à saúde também foi comprometido. Baiana relata que uma senhora precisou de médico nesta semana e foi até a unidade de saúde onde frequentava antes em Jabaeté, mas teve atendimento negado. “Depois, no posto de Ponta da Fruta, o médico atendeu, mas disse que não podia ver o exame, eu acho um absurdo. Nós estamos nessa luta, mostrando que as famílias não são criminosas, foram jogadas na rua”, enfatiza.
Sem energia elétrica, rede de esgoto ou transporte, as famílias vivem em um espaço isolado da sociedade. Apesar das dificuldades, a presidente da ocupação destaca ações de solidariedade que têm ajudado o grupo a resistir. “Ainda tem uns amigos que estão indo levar um abraço, roupa. Tem muita família que perdeu tudo, que abandonou as coisas porque não tinha mesmo para onde ir. Mesmo oferecendo espaço para guardar, as pessoas não confiavam. Muita coisa ficou para trás”, lembra.
Em meio ao abandono e à exclusão, Baiana reafirma a esperança de que a luta traga resultados. “Nós estamos lutando e acreditamos que até a próxima semana as crianças já retornem para escola. Vamos continuar cobrando providência para a comunidade ter uma alternativa de moradia digna”, apontou.

‘Descaso político’
A ordem de reintegração de posse de Vila Esperança, assinada pelo juiz Manoel Cruz Doval, da 6ª Vara Cível de Vila Velha, foi cumprida no último dia 9 de setembro. Antes disso, cerca de 80 moradores da comunidade Vila Esperança montaram acampamento em frente ao Palácio Anchieta, em Vitória, onde permaneceram por quase um mês, cobrando uma solução para o destino das famílias.
O grupo foi impedido de continuar no local por decisão do juiz Carlos Magno Moulin Lima, que determinou a remoção do acampamento para que se cumprisse mandado de manutenção de posse. A mudança para Ponta da Fruta foi a alternativa emergencial que a comunidade diz que encontrou, diante da repressão policial.
Até o momento, a única proposta apresentada é a ampliação do valor do auxílio financeiro para as famílias, que passaria de R$ 2,2 mil para aproximadamente R$ 3,6 mil – o equivalente a cerca de seis meses de aluguel no valor de R$ 600, valor considerado insuficiente considerando a realidade do mercado imobiliário, e mesmo assim, com alcance de apenas 135 famílias. De acordo com a Defensoria Pública do Estado (DPES), mais de 800 famílias viviam nas ocupações Vila Esperança e Vale da Conquista, localizada ao lado e também alvo da desocupação, desde 2017.
Das famílias aptas a receber o auxílio, quase metade (65 famílias, ou 48,1%) vive com renda de até R$ 105 por mês, configurando situação de extrema pobreza. Outras 14 famílias (10,3%) têm renda entre R$ 105,01 e R$ 210, enquanto 28 famílias (20,7%) sobrevivem com valores entre R$ 210,01 e meio salário mínimo (R$ 759,00). Mais 25 famílias (18,5%) possuem renda superior a meio salário mínimo. Além disso, em três casos (2,2%), a inclusão se deu por outros critérios sociais, como recebimento de Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou ausência de imóvel próprio.
A percepção da comunidade é de que tanto o governador Renato Casagrande (PSB) quanto o prefeito de Vila Velha, Arnaldinho Borgo (Podemos), mantêm uma posição alinhada contra a desapropriação de áreas que poderiam servir como alternativa habitacional. Baiana afirma que a empresa Alphaville estaria diretamente ligada às pressões pela retirada das famílias da área.

Vila Esperança surgiu em 2016, durante a gestão de Rodney Miranda (Republicanos), em um terreno abandonado. Em 2020, um decreto assinado pelo então prefeito Max Filho (PSDB) declarou a região de interesse social para habitação popular, o que alimentou a expectativa de regularização. O decreto, no entanto, foi revogado em 2022 pelo prefeito Arnaldinho (sem partido), abrindo caminho para a reintegração de posse.