Ato da Juventude Tupinikim denuncia repactuação do crime da Samarco/Vale-BHP

A mineradora Vale S.A. entrou na Justiça pedindo reintegração de posse com uso de força policial para retirar o grupo de indígenas Tupinikim e Guarani que bloqueia, desde a madrugada dessa quarta-feira (22), o trecho da ferrovia Vitória a Minas (EFVM), em Aracruz, norte do Estado. O movimento, liderado pela Juventude Tupinikim, denuncia o que chama de exclusão das comunidades indígenas e tradicionais do processo de repactuação do Acordo do Rio Doce, firmado entre governos e empresas responsáveis pelo crime da Samarco/Vale/BHP.
A Justiça ainda não atendeu ao pedido da Vale. O juiz Gustavo Moulin Ribeiro determinou, por ora, a “intimação urgente” da União, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Defensoria Pública da União (DPU) e do Ministério Público Federal (MPF) para se manifestarem em 24 horas antes de qualquer decisão liminar.
O ato ocorre quase dez anos após o crime socioambiental que destruiu o Rio Doce, e é mais uma expressão da longa espera das comunidades atingidas por reparação integral e justiça ambiental. Os indígenas afirmam que continuam sem indenização adequada, com rios contaminados, perda de território produtivo e aumento de doenças, o que afetao a economia, a pesca, a cultura e o cotidiano das aldeias. A mobilização da Juventude Tupinikim, segundo o coletivo, também busca garantir que pessoas ainda não reconhecidas ou assistidas no processo de reparação tenham voz e inclusão nas negociações.
A Juventude Tupinikim contesta a alegação das empresas de que se trata um grupo independente dentro do território. Para os indígenas, a intenção das mineradoras de apresentar a juventude como um quarto grupo teria como objetivo “dividir e enfraquecer a luta coletiva”. Eles dizem que concordam com a proposta do Conselho Territorial, que unifica os interesses de todas as aldeias envolvidas no processo de repactuação.

No pedido à Justiça, a Vale alega que o “bloqueio é ilegal” e “causa prejuízos de grande escala”, afetando o transporte de minério, celulose, grãos e produtos siderúrgicos. A empresa requer ainda que o juiz fixe multa de R$ 10 mil por minuto de descumprimento, por manifestante, e alega que a ocupação seria uma “reincidência de mobilizações anteriores”.
O juiz federal Gustavo Moulin Ribeiro destacou que “para as questões envolvendo direitos indígenas, deve-se oportunizar a manifestação prévia da Funai e da União”, e indicou a necessidade de participação da Defensoria Pública da União (DPU) e do Ministério Público Federal (MPF) em todos os atos processuais. Ele também “determinou à Polícia Federal a instauração de inquérito para apurar supostos crimes previstos no artigo 260 do Código Penal, que trata de danos a meios de transporte e perigo comum”.
O bloqueio ocorre dentro do território indígena, entre as aldeias Córrego e Vila, e reúne cerca de 100 famílias. O grupo afirma que a manifestação continuará até que as mineradoras e o governo federal assumam um compromisso formal de diálogo e construção de uma solução efetiva para a reparação das famílias, que apontam ter sido excluídas das decisões tanto no processo anterior conduzido pela Fundação Renova quanto na nova repactuação liderada pela União, o que viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito à consulta prévia, livre e informada a povos e comunidades tradicionais.
“Estamos lutando há dez anos e até hoje não fomos reparados. As indenizações foram pagas só aos chefes de família, e as mulheres e a juventude ficaram de fora. Agora estão decidindo tudo de novo sem ouvir quem vive o impacto todos os dias”, disse uma participante do movimento.
A Juventude Tupinikim critica o Novo Acordo do Rio Doce por ter sido elaborado “a portas fechadas” e
por priorizar valores e prazos definidos pelas empresas e pelo governo, sem a participação das comunidades atingidas. Eles denunciam, ainda, a morosidade dos processos judiciais e o descumprimento de acordos anteriores firmados com as mineradoras. Em 2023, após mais de um mês de manifestações ocupando os trilhos, a Justiça se comprometeu a rever o acordo de reparação e compensação firmado no final de 2021, mas o grupo relata que as empresas “seguiram empurrando o problema para depois”.
Os indígenas também cobram a presença da ministra Sonia Guajajara (Povos Indígenas) no território e denuncia o silenciamento do tema da poluição do Rio Doce nas discussões oficiais da Conferência das Partes (COP 30).

