Educadora Olindina Nascimento celebra conquista sonhada há mais de 20 anos
Após duas décadas de reivindicações e articulações, o governo estadual formalizou a criação de uma escola estadual de ensino fundamental (6º ao 9º ano) e ensino médio com proposta pedagógica quilombola na região do Sapê do Norte, que abrange os municípios de São Mateus e Conceição da Barra, no extremo norte do Estado. A conquista é resultado direto da mobilização de lideranças, professores e coletivos organizados, entre eles a Comissão Quilombola do Sapê do Norte, o Comitê Regional de Educação Escolar Quilombola e o recém-criado Coletivo Estadual de Educação Escolar Quilombola, que reúne representantes de todas as comunidades quilombolas do Espírito Santo.
“Estamos sonhando com essa escola desde 2002. Queremos um espaço que não só ensine, mas que afirme o pertencimento das nossas crianças e jovens, com arquitetura, gestão e pedagogia próprias”, afirma Olindina Serafim Nascimento, professora quilombola desde 1987, natural da comunidade de São Jorge. O anúncio foi feito pela Superintendência Regional de Educação de São Mateus, em reunião nessa quarta-feira (6) com representantes da Secretaria de Estado da Educação (Sedu) e de lideranças quilombolas.
A gestão assumiu o compromisso de erguer a escola e iniciar um Grupo de Trabalho (GT) para acompanhar o processo, que incluirá definição do terreno, projeto arquitetônico e desenvolvimento da proposta pedagógica, relata a professora. A localização sugerida é entre as comunidades de São Domingos (Conceição da Barra) e São Jorge (São Mateus), de forma a atender alunos de todo o território do Sapê do Norte.
A comunidade busca viabilizar uma escola quilombola desde 2003, com pedagogia própria, construída a partir dos saberes, valores e modos de vida quilombolas. A proposta inclui participação das famílias na gestão, valorização da oralidade e da memória comunitária, e estímulo para que crianças e jovens se reconheçam como protagonistas de sua história. “Não temos problema com os jovens saírem, mas queremos que também possam estudar aqui, num ambiente que respeite e valorize nossa história e identidade”, destaca.

A proposta pedagógica será construída de forma coletiva, com participação do comitê regional e apoio do Coletivo Estadual, criado no último 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, após encontro regional da Educação Escolar Quilombola no Vale do Jequitinhonha (MG). Olindina explica que a reivindicação se apoia na Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, publicadas em 2012. Também dialoga com a Política Nacional de Equidade das Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (PNERC), lançada no ano passado.
Na prática, porém, a implementação dessas políticas ainda é desigual. “Muito fica a cargo do professor, especialmente negros e quilombolas, ou de quem se engaja na causa, mas sem que isso seja uma política estruturada. Com a PNERC, acreditamos que haverá avanço, porque ela prevê formação continuada, ações antirracistas e protocolos para os municípios”, pontua a professora, que também atua como agente regional da PNERC no norte capixaba.
“Queremos que nossos estudantes tenham prazer e alegria de estar nessa escola, que não sejam apenas ‘alunos’, mas pessoas com identidade e pertencimento, acompanhados por profissionais que também compreendam e vivam essa realidade”, afirma Olindina. O objetivo é que a escola se torne referência não apenas para São Mateus e Conceição da Barra, mas para todo o estado, como um exemplo de implementação efetiva da educação escolar quilombola.
O GT sugerido pela superintendência ainda será formalizado, mas a expectativa é que ele acelere decisões e mantenha a comunidade no centro do processo. A próxima reunião, prevista para ocorrer na sede da Sedu, deve aprofundar a definição do projeto pedagógico e da localização exata da escola. “O ponto central é que a sala de aula se transforme, que professores estejam qualificados e comprometidos com a educação antirracista e com as especificidades quilombolas”, reforça Olindina.